
O Brasil vai receber pela primeira vez uma importante exposição de obras da “Escuela Cuzqueña de Pintura”, que se desenvolveu na cidade imperial de Cuzco, entre 1570 e 1870. Virão 37 pinturas a óleo com motivos religiosos dos séculos XVIII e XIX. São obras raras do antigo Vice-reinado do Peru, a colônia espanhola que só se tornou Independente em 1821. A mostra será inaugurada em 21 de julho, na Fundação Memorial da América Latina. O Dia Nacional do Peru é 28 de julho, quando o país comemora 190 anos de Independência. O Peru só se tornaria completamente livre da Espanha em 1824, quando um exército comandado pelos generais San Martin, O’Higgins eSimón Bolívar finalmente expulsou os últimos ibéricos.
A novidade foi anunciada nesta quinta por Jaime Stiglich (na foto abaixo, 1º à esquerda), cônsul geral do Peru, e por Manuel Julio Vera del Carpio (de camisa azul clara), diretor da Casa da Cultura Peruana em São Paulo, em visita ao Memorial. Eles se reuniram com Fernando Calvozo (1º à direita), diretor de atividades culturais, e Fernando Leça (2º à esquerda), presidente do Memorial, para acertar detalhes. “Será importante para o público brasileiro conhecer o peculiar barroco peruano, até para poder cotejar com o barroco brasileiro em suas diferentes facetas regionais. É sempre uma honra ao Memorial promover esse tipo de diálogo cultural entre países da América Latina”, disse Leça.
Segundo o museólogo Julio Vera, a Espanha conseguira do Vaticano o Patronato Régio, por ter expulsado os mouros no sul da Península Ibérica, na segunda metade do século XV. Isso dava ao rei de Espanha o status de representante de Deus na terra e o direito de catequizar a qualquer custo os habitantes do Novo Mundo. O protestantismo estava diminuindo o número de católicos na Europa. Uma das bandeiras dos espanhóis era justamente aumentar a quantidade de cristãos, conforme havia sido determinado pelo Concílio de Trento (1545 – 1563), o mais longo da história da Igreja Católica, o que emitiu o maior número de decretos dogmáticos e reformas das crenças e ritos – tudo isso deu origem à chamada Contra-Reforma.
O diretor da Casa da Cultura do Peru explica que a origem dessa arte está na estratégia espanhola de impor aos povos conquistados a história bíblica, mas permitir que eles a representassem usando elementos da sua cultura anterior, especialmente os orgulhosos cuzquenhos. Cuzco foi chamada pelo escritor espanhol Garcilaso de la Vega (início do séc. XVI) de a “outra Roma” porque se assemelhar a ela em dois fatores: os muitos povos conquistados e o sofisticado sistema de leis. Para os Incas a pintura era uma arte maior, cultivada pela nobreza.
Os ateliês montados por religiosos espanhóis em Cuzco ensinavam as modernas técnicas europeias de pintura. Os temas eram sempre os mesmos: a Virgem Maria, o nascimento de Cristo, a Epifania, a Sagrada Família, os sacramentos… Mas os alunos indígenas introduziram motivos e elementos pictóricos da sua região e cultura. “O rosto do arcanjo é de índio, o Menino Jesus está envolto em mantos incas, a Virgem tem plumas usadas na cultura local…”, conta Julio Vera, que trouxe há alguns anos à Pinacoteca do Estado de São Paulo a famosa exposição “Os Tesouros do Senhor de Sipán”, sobre a civilização pré-incaica dos Mochicas.
Uma particularidade interessante da mostra é que essa coleção de pinturas do Barroco Cuzquenho é particular e não está exposta em lugar nenhum. “Ninguém a vê”, conta o cônsul Stiglich, “ela está guardada em um apartamento”. Ele explica que os quadros pertencem à família Pastor de la Torre, no passado grandes proprietários de terras. Eram várias fazendas e em cada uma erguia-se uma igreja, que expunha pinturas com fins evangélicos.
Mas recentemente, um descendente desse clã, Celso Pastor de la Torre, tornou-se embaixador e mecenas. Não só comprou as pinturas das igrejas nas fazendas da família como adquiriu muitas outras e formou a mais importante coleção particular de obras de arte do Peru. Hoje ela está sob a guarda de Maria Isabel Pastor, que se entusiasmou com a ideia de exibir no Brasil o Barroco Cuzquenho. Quando vivo, o embaixador Celso Pastor de la Torre o levou para o Guggenheim Museum, em Nova York, e o Museu do Prado, em Madri. A coleção também foi exposta em Londres. Aonde vai, ela causa espanto pelo apuro técnico, o domínio das cores e composição, como os europeus, mas sempre com toques americanos.
Obs.: as imagens nesta página de obras barrocas peruanas são apenas ilustrativas e não correspondem exatamente às que virão. Essas serão divulgadas oportunamente.