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A correria de fim de ano impediu que o desaparecimento de um dos grandes vultos da cultura latino-americana tivesse o merecido destaque: Mário Gruber – que exerceu importante papel na pintura, na gravura e no muralismo brasileiro do século XX – morreu em 28 de dezembro de 2011, em São Paulo. A Fundação Memorial da América Latina não poderia deixar de reverenciá-lo, não só por seu valor artístico, mas por ter, a pedido de Oscar Niemeyer, nos legado um belo e enigmático mural na Biblioteca Latino-americana Victor Civita. Artista generoso e politizado que era, o painel “Homenagem a Clay Gama de Carvalho” foi a maneira de Mario Gruber responder ao apelo do escritor argentino Julio Cortázar.
Em 2006, o Memorial lhe dedicou sua última grande mostra: “Mario Gruber e a Metafísica dos Planos”, cuja curadoria era do artista visual Saulo di Tarso, celebrava seus 80 anos. Foram expostas cerca de 70 gravuras, que abrangiam um período que ia dos anos 40 aos dias atuais. A exposição oferecia uma ampla cobertura da produção de Gruber, sendo uma das mais completas dedicadas às suas gravuras, sobretudo no que concerne ao seu caráter experimental. Apresentava também, seu envolvimento com a pesquisa e estruturação de ateliês (segundo o físico e crítico de arte Mario Schenberg, foram alguns dos mais equipados da América Latina).
O artista foi um dos primeiros no Brasil a produzir papel para impressão de gravuras e a relacionar as linguagens de TV e vídeo com essa produção. Mario Gruber era artista engajado, conviveu com nomes como Poty, Lasar Segall, Portinari e Di Cavalcanti. “Mário sempre foi envolvido com arte e transformação social, sempre foi um artista rigoroso e experimental, ao mesmo tempo. Experimentos seus, datados de 30 anos, têm caráter extremamente atual, podem ser entendidos como uma ação contemporânea”, disse Saulo di Tarso, à época.
A obra “Homenagem a Clay Gama de Carvalho” é um painel de oito por três metros, composto de ladrilhos cerâmicos em grês, preto e branco divide e organiza o espaço da biblioteca. De um lado, ficam os bibliotecários; do outro, o hall usado para exposições. Quem transita por ali é “observado” por uma multiplicidade de olhos discretos mas pungentes, que surgem da “floresta” de Gruber. Sobre o seu trabalho, o autor declarou, conforme consta no livro “Integração das Artes”, publicado pelo Memorial em 1990:
“Escolhi um material duro e de queima rústica como suporte, ladrilhos cerâmicos em grês. Devem durar. Trabalhei com 6 módulos da mesma imagem em proporções diversas, fugindo da linguagem habitual, da sequência regular decorativa do ladrilho tradicional. Os ladrilhos são grandes, meio metro quadrado. Pretendi uma leitura no geral obsessiva num ritmo irregular. É relaxante no particular. A cara maior.Dei como título ao meu mural na Biblioteca do Memorial da América Latina: “Homenagem a Clay Gama de Carvalho”.
O próprio Mario Gruber explica quem é Clay Gama de Carvalho: “Escritor, dramaturgo e poeta. Tornou-se anônimo pela nossa falta de memória e principalmente pela ditadura que confiscou o manuscrito de sua obra, a “Literatura Americana no Exílio”, na alfândega do aeroporto de Congonhas em São Paulo, quando chegou doente e indefeso de Paris pelo único delito de ser apenas escritor. Suspeito, foi liberado, porém sua obra ficou apreendida e se perdeu talvez para sempre.”
E prosssegue, com o lirismo dos grandes: “Julio Cortázar lhe dedicou um pequeno conto “O Grande Urso Solitário de Paris”, publicado em um pequeno jornal alternativo paulistano daquela época, em sua homenagem póstuma. Fez um apelo à intelectualidade paulista que resgatasse sua obra. Atendo dessa forma, dentro de uma biblioteca consagrada pela grandeza da obra de Oscar Niemeyer que nos deu guarida para sempre. A quem possa interessar, puxem o fio da meada. Quem descobre numa multidão anônima alguém conhecido alivia com afeto. A denúncia do personagem anônimo, a descoberta do sal da terra.”
Mario Gruber nasceu em Santos em 1927 e começou a pintar em 1943, como autodidata. Tornou-se profissional aos 20 anos de idade, quando participou da Exposição Grupo dos 19 e o júri, formado por Lasar Segall, Anita Malfatti e Di Cavalcanti, conferiu-lhe o primeiro prêmio em pintura. Em 1949, com bolsa de estudos oferecida pelo Governo Francês, viaja a Paris, onde aperfeiçoa seus estudos de gravura em metal. Em 1951 retorna ao Brasil, quando funda, em Santos, o Clube de Gravura, mais tarde Clube de Arte, marcando o início de sua participação na vida artística e cultural brasileira. Em 1953, convocado por Gabriela Mistral, Diego Rivera e Pablo Neruda, participa como delegado no I Congresso Continental de Cultura, no Chile.
A partir dessa data os prêmios e as exposições nacionais e internacionais se acumulam e sua obra motiva a realização de dois curta-metragens: um deles, direção de Rubens Biáfora, é exibido no Festival de Cinema de Veneza, em 1967; o segundo, “A Arte Fantástica de Mario Gruber“, tem a direção de Nelson Pereira dos Santos e é de 1982. Gruber tem telas em vários museus brasileiros e internacionais, como o Wisconsin State Museum College Union, USA; Museu Poushkin, Moscou, Rússias; MAC-SP; Museu de Arte Brasileira, São Paulo, SP; Museu de Bahia, Salvador, BA e outros. Sua participação em obras de arquitetura, a convite de seus autores, vem de longa data. Além de colaborar com Oscar Niemeyer, para o arquiteto Vilanova Artigas, por exemplo, fez os painéis da “Casa dos Triângulos” na Galeria Califórnia. Marcou também sua posição de vanguarda no realismo fantástico brasileiro ao criar os grandes painéis do Aeroporto Internacional de Cumbica e da Estação Sé do Metrô de São Paulo.
Por Eduardo Rascov
Fotos Ângela Barbour