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Quem aproveitou o feriado no 3º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo pôde conferir de perto um dos objetivos da mostra: aproximar o público paulistano dos produtores, diretores e idealizadores da sétima arte produzida em nosso continente.
Nem mesmo o atraso do vôo do cineasta mexicano Jonas Cuarón impediu-o de vir pessoalmente tecer comentários e responder as perguntas da platéia que acabava de assistir seu último trabalho, “Ano Unha”. O filme narra, através de uma seqüência fotográfica, a história de Molly, uma jovem norte-americana que, em viagem pelo México, conhece Diogo, um adolescente em plena puberdade. A relação entre os dois serve de pano de fundo para suscitar a discussão sobre preconceito, política e sexualidade.
Cuarón contou que todas as fotos utilizadas são reais, somente a o enredo é fictício, “estava organizando minhas fotos e achei que elas contavam uma nova história, o menino que vocês viram é meu irmão e a protagonista é minha namorada”, revela o diretor. Cuarón levou quatro anos para terminar o filme: “durante o primeiro ano tirei as fotos e nos três seguintes, organizei a seqüência e produzi o roteiro”. Quando indagado sobre o que sua família achou do resultado alcançado, o diretor respondeu: “gostaram muito, antes de um filme, para eles, trata-se de um álbum de família”.
Na seqüência, o Feslatino ofereceu mais uma oportunidade para se ver o inquietante “Serras da Desordem”, que ficou pouco tempo em cartaz em São Paulo. Concebido originalmente para ser uma ficção, o diretor brasileiro André Tonacci – na conversa com o público após a sessão – contou que, em face da complexidade de filmar uma histórica como esta, optou por usar os próprios personagens reais como atores. O resultado foi uma mistura de documentário e ficção que transcende a questão indígena e fala sobre a ambigüidade, o non sense, a desorientação e a perplexidade, não só dos indígenas brasileiros, mas do Homem contemporâneo.
Para contar a história de Carapiru – índio encontrado nu em 1987 em uma pequena cidade do Brasil profundo, falante de uma língua por todos ignorada – Tonacci foi à aldeia isolada onde ele vive atualmente, no interior do Maranhão, próximo a uma área de extração de minério. De lá refazem o percurso de mais de 2 mil quilômetros, percorridos originalmente por esse “bom selvagem”, que a todos abraça e sorri ingenuamente.
Carapiru fala continuamente palavras que ninguém traduz até que um antropólogo, por acaso, encontra um intérprete. O jovem índio tradutor, que trabalha para a Funai, havia perdido a família em um massacre acontecido em 1977. Tratava-se do filho de Carapiru. Esse caso ganhou notoriedade nos anos 80 e foi noticiado fartamente pela televisão. As imagens de arquivo são usadas de maneira instigante, mescladas às filmagens de época e as ficcionais de hoje. O diretor ora usa preto-e-branco, ora colorido, misturando os gêneros (ficção e documentário), as épocas (p&b e cor) e a própria noção de realidade (na floresta, de repente, surge um avião de combate, inserido digitalmente, por exemplo).
Na sala ao lado, a raridade “Copacabana, mom amour”, do brasileiro Rogério Sganzerla, fechou a programação. O filme protagonizado pela esposa do diretor, Helena Ignez, faz parte da mostra “o desdobramento do cinema novo”. A filha do casal, Djin Sganzerla, apresentou o filme e relatou algumas curiosidades: “a lente utilizada foi presente de Fellini, meu pai contou que ela veio com um pequeno risco, mas como não usá-la? Era de Fellini!”
Atriz antecipou que os filmes da produtora Belair, fundada em 1970 por Sganzerla e Júlio Bressane, estão sendo restaurados e possivelmente serão lançados em DVD, pela Mercúrio Produções – como já foi feito com “O bandido da luz vermelha”. Dijin aproveitou a oportunidade para convidar os presentes para conferirem a mostra ”Helena Ignez – A Mulher do Bandido” (entrada franca), que estréia no Cinesec, dia 14 de julho, e traz uma retrospectiva do trabalho da musa do cinema marginal, com a exibição de clássicos como “A Mulher de Todos”, “O Bandido da Luz Vermelha”, “O Padre e a Moça”.
O Festlatino fica em cartaz até domingo, dia 13 de julho, com programação variada. Dia 11, às 20h, o diretor Eduardo Coutinho participa do debate “Realidade: Apreensão e Representação” – em conjunto com Cao Guimarães, Cláudio Assis e Cléber Eduardo – além de apresentar seu último filme, “Jogo de Cena”, sábado, às 19h30, no Cinesesc.
Por Gabriela Mainardi e Eduardo Rascov
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