Este ano, o ator e diretor José Renato Pécora foi o escolhido pela comissão curadora do Festival de Teatro Ibero-americano de São Paulo, organizado pelo Memorial, para ministrar uma das mais aguardadas atrações do Festibero: a Oficina de Direção. Os curadores não só queriam brindar os participantes com a sabedoria teatral e a experiência de Zé Renato, como também homenageá-lo, afinal, ao criar o Teatro de Arena, em meados dos anos 50, principiou a escrever um capítulo fundamental da história do teatro brasileiro. Na foto acima, ele está entre seus alunos, agachado, de camisa azul clara e cabelos brancos.
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O grupo Teatro de Arena de São Paulo encenou peças de novos dramaturgos brasileiros, como “Eles não usam black-tie”, de Gianfrancesco Guarnieri, e lançou Oduvaldo Vianna Filho e Flávio Migliaccio, entre outros. Com a chegada de Augusto Boal ao grupo, o Arena inicia o processo de nacionalização do teatro brasileiro. Nos anos 60 é a fase de grandes musicais, baseados em Beltolt Brecht. O conteúdo político de “Arena conta Zumbi” e “Arena conta Tiradentes” causa forte impacto na sociedade politizada de então. Com o golpe militar de 1964, o grupo passa a ter problemas. A perseguição leva ao fim do Teatro de Atena, em 1972. Mas Zé Renato já havia saído do grupo, em 1962, quando mudou-se para o Rio para dirigir o Teatro Brasileiro de Comédia.
Segundo seus amigos e colegas da peça “12 homens e uma sentença” – sim, o veterano diretor de 86 anos havia voltado a pisar os palcos como ator depois de mais de cinquenta anos – Zé Renato estava feliz como um menino por novamente encarnar um personagem. Sua morte, na madrugada deste 2 de maio, deixou de luto a classe artística brasileira e empobreceu a cultura latino-americana.
O escritor, jornalista e ator Oswaldo Mendes dividia o palco com Zé Renato em “Doze homens e uma sentença”. Ele mandou o seguinte e-mail sobre o companheiro:
“Após a sessão de domingo, eu me despedi do Zé, na porta do Teatro Imprensa, e ainda brincamos que por pouco não viajaríamos juntos para o Rio, onde tenho um compromisso de trabalho nesta segunda à tarde e na manhã de terça-feira. Minha viagem já estava marcada para a manhã de hoje, segunda. Ele preferia sempre viajar à noite para amanhecer no Rio. Desta vez, um enfarte interrompeu sua viagem e seus muitos planos de trabalho.
José Renato, que voltou a atuar como ator depois de 56 anos, estava em um momento feliz. O sucesso de “12 homens e uma sentença” é, especialmente, o sucesso dele que, por ter feito a sua trajetória no teatro como diretor, desde que criou o Arena, não tinha provado o reconhecimento das plateias, em especial dos muito jovens que assistem ao espetáculo. Reconhecimento que agora ele experimentou com uma alegria juvenil que nós, que dividíamos o camarim com ele, testemunhamos nesses sete meses de temporada.
O Zé ria, fazia e provocava piadas, formava o nosso coral que todas as noites desengavetava um repertório de músicas do passado, em exercício de puxar pela memória. Era assim o “aquecimento” e a “concentração” de rotina antes do espetáculo. Uma noite, de tanto rir das brincadeira do Riba, do Norival Rizzo e da Ieda, nossa fiel camareira, ele desabafou com um sorriso largo: “Vocês ainda vão me provocar um enfarte de tanto rir”.
Na sessão deste domingo, ele trocou uma palavra do seu texto, que só o elenco percebeu. Em vez de dizer “o velho queria um pouco de atenção” ele disse: “o velho queria um pouco mais de tempo”. “Me fugiu a palavra”, ele se desculpou sorrindo no camarim ao final do espetáculo. Pois é, tanto ele como todos nós queríamos um pouco mais de tempo para o nosso encontro. Não fomos atendidos. Fica em nós a saudade, que dói demais. Mas fica também a certeza de que José Renato marcou definitivamente o teatro brasileiro – e, em particular, marcou a vida e o caminho de cada um de nós.
Obrigado, Zé.”
Do amigo e discípulo Oswaldo Mendes
Texto: Comunicação Social
Fotos: Daniela Agostini