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São Paulo, 8 de junho de 2009.
Três artistas de projeção internacional participam da impactante mostra Corpos Estranhos, com curadoria da pesquisadora Cláudia Fazzolari, no Memorial da América Latina
De 18 de junho (abertura a partir das 19h) a 26 de julho, o Memorial da América Latina recebe a mostra Corpos Estranhos, composta por obras – vídeo performances, fotografias, instalação e instância – das artistas de Laura Lima (Brasil), Pilar Albarracín (Espanha) e Regina José Galindo (Guatemala), premiada na 51ª edição da Bienal de Veneza, na categoria jovem artista. Os trabalhos de Albarracín e de Galindo são inéditos no país.
Disposta em quatro ambientes, a mostra tem um espaço central que reúne três trabalhos – um de cada artista – além de um espaço exclusivo para cada uma delas.
Em comum, as três artistas têm uma trajetória de trabalho de forte viés psicanalítico, revelado através da exposição de seus próprios corpos ou o de outrem. As manifestações dessas mulheres podem ser observadas nos registros contundentes presentes na mostra que é apoiada pela Sociedad Estatal para Acción Cultural Exterior, SEACEX, Espanha e pelo Instituto Cervantes São Paulo.
Para citar algumas, é o caso de Enterramiento, de Pilar Albarracín, em que a artista, em uma espécie de frenesi, cava sua própria cova com uma pá, se joga nela e se enterra até a cabeça jogando terra sobre seu corpo usando as mãos; ou em Quien puede borrar las huellas?, de Regina José Galindo, em que a artista imprime no chão em frente a um edifício público na Guatemala pegadas de sangue simbolizando os mortos de um conflito ; ou ainda na instância Dopada, de Laura Lima, em que uma mulher dorme vulnerável em pleno espaço expositivo.
Há também o registro sonoro de um açoite em carne humana na obra (279) Golpes, de Galindo. Para a gravação do trabalho, a artista se encerrou nua em um cubículo escuro, onde se auto-golpeou, revelando o efeito sonoro. No total, são 279 açoites, um para cada mulher assassinada em seu violento país de origem, entre 1 de janeiro e 9 de junho de 2005. Em Nômades, de Laura Lima, o relevo de uma série de máscaras de distintos formatos retrata na pintura a óleo paisagens bucólicas, desafia a anatomia dos rostos e esconde emoções reais, revelando outras.
Corpo sutil, por Ângela Barbour
Espaço central
É onde se pode assistir à projeção de Camisa de Fuerza, performance de Regina José Galindo documentada em vídeo, fruto da imersão de três dias em um hospital psiquiátrico, onde a artista, tendo os movimentos contidos por uma camisa de força, foi “tratada” por enfermeiros recebendo os cuidados básicos de higiene pessoal e alimentação por parte de alguns internos do hospital.
Em outro ponto do espaço, a instância Dopada, de Laura Lima, traz uma mulher deitada que permanece no local vestida com um camisolão branco cortado à maneira das roupinhas de boneca feitas antigamente em casa. Conectado a ela, um longo tubo vermelho de crochê se estende até uma parede. Inconsciente ou parcialmente consciente em plena sala de exposição, a personagem torna-se um ser vulnerável e alheio a tudo que ocorre no espaço público. Essa instância será apresentada na noite de abertura e em horários pré-estabelecidos pelo espaço expositivo.
A terceira obra no espaço expositivo, documentação em vídeo da performance intitulada Lunares, de Pilar Albarracín, mostra a artista dançando flamenco, trajando o típico vestido, na cor branca. Enquanto dança, de posse de uma agulha, com movimentos rápidos, imprime a agulha contra seu corpo, formando no tecido a tradicional estampa de lunares (luas) tingida com seu próprio sangue.
Espaço Laura Lima
A obra intitulada como Nômades compõe esta sala. Trata-se de uma série de máscaras de diversos formatos e recortes, nas quais foram reproduzidas pinturas de paisagens brasileiras – realizadas originalmente entre os séculos XV e XIX – em acrílico e óleo sobre canvas (tela). As máscaras permanecem expostas na parede.
Espaço Pilar Albarracín
O espaço dedicado a Albarracín tem uma documentação em video e séries fotográficas: Toillette traz 3 registros fotográficos de corpos nus respingados de sangue.
Relicário é uma composição fotográfica de um torso masculino nu, que traz consigo uma corrente com um pingente – relicário – com a fotografia da artista; pode-se entrever no pingente entreaberto um pedaço de tecido, supostamente pertencente à roupa da personagem da foto.
Pata Negra traz a imagem surrealista da artista abocanhando a pata de um autêntico porco selvagem ibérico, com seus pelos e unhas escuros, do qual se origina o famoso jamon ibérico. A fotografia Mentira nº 68 mostra uma mulher dominada por um policial em uma suposta manifestação e integra recente série de obras intitulada 300 Mentiras.
A vídeo performance Enterramiento tem a artista como protagonista; eufórica, munida de pá, ela cava uma cova e se deita, para depois enterrar-se até a cabeça usando as mãos.
Espaço Regina José Galindo
O espaço de Galindo conta com performances documentadas: a sonora (279) Golpes, e os registros em vídeo Reconocimiento de un cuerpo, gravado na Argentina, em que a artista, anestesiada, permanece coberta por um lençol. Alguns passantes, curiosos, erguem o lençol para ver o rosto do suposto morto (Galindo escolheu a Argentina por seu passado semelhante ao da Guatemala, repleto de desaparecidos) ; Perra, em que a artista inscreve com uma faca em sua perna esquerda a palavra perra (no período do registro (2005), surgiram na Guatemala vários corpos de mulheres brutalmente assassinadas e com palavras obcenas talhadas pelo corpo), Limpieza Social, em que ela, nua, é submetida ao potente jato de água fria utilizado para conter multidões ou para dar banho em detentos; e Quien puede borrar las huellas?
Obras em exposição:
Laura Lima
Dopada, 1997, da série Homem = Carne / Mulher = Carne, composta por uma mulher que toma um comprimido para dormir, tubo de crochê e camisola de tecido. e Nômades, 2007, 12 máscaras em acrílica sobre tela e chassis de madeira, com dimensões variadas.
Pilar Albarracín
Toilette, 1991, documentação fotográfica, cerca de 80 x 100 cm. Três ampliações da série. Enterramiento, 1994, Documentação em vídeo.Relicário, 1993, Documentação fotográfica, cerca de 80 x 100 cm.Pequena série de relicários compostos por pedaços de uma camisa de trabalho da artista. Lunares, 2004, Documentação em vídeo com 1’ e 26 “.Pata negra, 2008. Documentação fotográfica. Série 300 Mentiras Mentira nº 68, 2009 Documentação fotográfica.
Regina José Galindo
Participa com os registros das performances em vídeo Reconocimiento de un cuerpo, 2008, Camisa de fuerza, 2006, Perra, 2005, Limpieza social, 2004, Quien puede borrar las huellas?, 2003, além da instalação sonora (279) Golpes, de 2005.
Sobre as artistas
Laura Lima, nascida em 1971, vive e trabalha no Rio de Janeiro. Assenta sua investida artística sobre o pensamento sobre o corpo: seja suporte, seja referência. Suas esculturas “vestíveis”, realizadas em vinil transparente, e que se ativam ao serem experimentadas acionam o espectador. Tais obras fazem parte de um grupo de trabalhos da artista que necessita o envolvimento do público para se realizar. As questões do corpo estão postas mediante o contato com o outro e na fusão que as roupas fazem com quem as veste. Contanto os costumes de Laura Lima escapam à classificação: nem sempre são fáceis de usar e não pertencem ao universo corriqueiro do vestuário. Em certos casos, acompanham a dinâmica do corpo. Em outros, desafiam o corpo, propõem posturas, limitam movimentos e geram interligações com outras pessoas.
Pilar Albarracín, nascida em 1968, vive e trabalha em Madrid. Suas performances, vídeos e instalações destituídas de toda e qualquer forma de apreensão banal da realidade são estratégias elaboradas que ativam o debate sobre os estereótipos das inúmeras marcas de uma imagem de Espanha — seja a cultura cigana, seja a mulher sedutora, seja o espaço dominado pelo masculino — que permanece ainda viva no cotidiano. Pela performance, em centenas de atuações, a artista reafirma a denúncia de um vasto campo de conflitos vinculados aos estereótipos como também potencializa a matriz de um incômodo testemunho que entre oferendas, sacrifícios, rituais, auto-imolação, teatralização, simulações, ironia e sarcasmo compõem o tecido violado de uma perspectiva social obcecada pelo modelo totalizante.
Regina José Galindo, nascida em 1974, vive e trabalha na Guatemala. Resistente ao entorno silenciado pela via homogênea do caos contemporâneo que contamina o cotidiano, a artista manifesta-se — essencialmente como presença corporal — lúcida e criticamente lançando-se entre zonas de penumbra. Desde a performance sonora (Golpes, 2005), desde o enfrentamento público (Limpieza social, 2006,) ou ainda desde a exaurida marca do último limite físico (Yesoterapia, 2006, 150.000 voltios, 2007, Cepo, 2007) Regina José Galindo confronta a violência e estabelece estratégias concretas de convivência marginal.
Corpos Estranhos
Curadoria: Cláudia Fazzolari
Supervisão: Lisbeth Rebollo Gonçalves
Período: mostra de 19 de junho a 26 de julho de 2009
Entrada franca
Horário de visitação: terça a domingo, das 9h às 18h
Local: Memorial da América Latina / Galeria Marta Traba
Acesso pelos portões 1 e 5
Endereço: av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, Barra Funda (ao lado do metrô)
Estacionamento: R$ 10,00 – acesso pelo portão 8