
Em entrevista exclusiva, João Batista agradece homenagem e situa seu cinema na luta por um mundo mais justo.
Homenageado pelo 5º Festlatino, João Batista de Andrade, no alto de seus mais de 40 anos de carreira, conserva uma modéstia típica que só fica bem aos grandes autores. João sabe o que quer e, seguro, expõe suas ideias com uma fluência característica àqueles homens que conhecem bem sua própria obra. Nesta entrevista exclusiva, agradece a “homenagem sem tamanho” que está pra receber, indica qual o lugar de seu cinema na luta por um mundo mais justo e ressalta a necessidade de renovação contínua: “Lutar sempre com a mesma cabeça pode te deixar para trás“.
Num rápido bate-bola, João Batista recorda sua grande conquista à frente da Secretaria de Estado da Cultura, cargo que ocupou entre os anos de 2005 e 2007; avalia como “quintalismo” a discussão de gêneros no cinema nacional e ainda dá uma prévia de seu próximo projeto, ainda em fase de captação de recursos, “uma adaptação (ficção) do romance “Vila dos Confins”, de Mário Palmério. O livro é considerado um dos principais romances brasileiros dos anos 50 e o assunto é… política“.
O Festlatino começa nesta 3ª feira, 13 de julho, ótima chance para relembrar e/ou conhecer as obras de um dos grandes diretores do cinema nacional. Enquanto isso, podemos conhecê-lo um pouco mais por palavras:
1. Fernandos Birri e Solanas, Paul Leduc, Nelson Pereira e agora você, todos cineastas que colocaram, ao longo de suas carreiras, o povo latino e suas demandas político-sociais no primeiro plano de suas obras. O que, para você, o Festlatino está tentando nos dizer ao homenageá-los? Qual a importância da retomada destas cinematografias?
R: Não posso dizer o que o Festival “pensa”. Posso dizer que para mim é uma honra muito grande. Isso me coloca, como homenageado, onde sempre gostei de ficar: ao lado de cineastas que buscaram projetos estéticos próprios para suas inquietações e suas lutas por justiça e liberdade. Quanto às cinematografias, acho que todas elas devem ser vistas sempre, pois refletem o que houve de melhor na segunda metade do século XX e nesse início de terceiro milênio. Ao juntar minha obra à de gente tão diferenciada, o Festival realmente me presta uma homenagem sem tamanho.
2. Seu início como cineasta coincide com uma série de atividades políticas (no PC, UEE …) e a esperança de mudanças efetivas no país a partir de outras formas de luta que não a armada. De que forma, e até que ponto, um filme pode ser considerado uma ?arma revolucionária??
R: Olha, nunca achei que o cinema pudesse ser uma “arma revolucionária”, pois isso me juntaria a um pensamento político que eu não adotei, ou seja, a revolução puxada por uma elite revolucionária e intelectual. Sempre pensei meu cinema como uma visão reveladora da realidade, com olhar político. E por isso muitos dos meus filmes falam da dificuldade dos personagens em enxergar o que acontece em volta e dentro deles: esse é o desafio. Pois meu desejo sempre foi o de que eles, esses personagens assumissem seu papel como sociedade, como consciência, como vontade de mudar as coisas. Eles é que podem mudar o mundo. Eu sempre quis fazer o meu papel ao lado das pessoas: usar minha enorme insatisfação para despertar e revelar nessas pessoas esse desejo de mudança.
3. Você sempre trabalhou num limite indistinto entre ficção e documentário e também nunca se preocupou muito com esta distinção de gêneros. Hoje, mais do que nunca, elogiam-se os documentários nacionais ao passo que nossas ficções são vistas de soslaio. É hora de romper de vez esta barreira entre gêneros? Essa discussão ainda é válida ou há coisas mais urgentes a se pensar para o cinema nacional?
R: Acho que é uma discussão de pura insatisfação. Ora, um filme é um filme é um filme é um filme. Sempre neguei isso de que teria que ter uma “carteirinha” de documentarista ou de ficcionista. Acho puro “quintalismo”. As duas formas são importantes e cada uma tem seu alcance e pode ter suas revelações críticas.
4. Um dos momentos mais prolíficos de sua carreira foi o “Hora da Notícia” na TV Cultura, fase de forte crítica social e política em plena ditadura; em que, segundo suas palavras em entrevista ao site http://www.mnemocine.com.br/aruanda/jba1.htm, havia a necessidade em “revelar o país”. Anos depois, no “Rua 6, s/ n°” você retrata um país desencantado, onde não existe mais a possibilidade de uma mudança real, histórica, mas apenas a construção de percursos individuais. Qual o lugar do cinema nesta mudança de perspectiva? Ainda há espaços para reconstrução de utopias ou deve-se ater ao desencanto do proclamado “fim da história”?
R: Fim da História não existe, é modismo puro. O que há é que a humanidade experimenta coisas sempre e, principalmente a partir da Revolução Francesa, abraçou de forma crescente – e com paixão – a idéia da construção de uma sociedade nova, sem classes. O desenvolvimento dessa idéia atraente (demais) mostrou muitas de suas incongruências e perigos. Esse movimento criou uma corrente de idéias e uma capacidade critica de que a humanidade ainda se alimenta, mesmo dizendo que não. Mas a queda do socialismo mostrou que tínhamos os pés de barro e a desilusão foi grande demais. Daí o refluxo. Mas tudo volta, com outras idéias, preservando e superando as idéias de nossos mestres da luta política por um mundo melhor, mais justo, de iguais oportunidades para todos.
5. Em seu blog (http://joaobatistadeandrade.blogspot.com/) você nos apresenta a ideia do “homem errado”. Você pode comentar mais sobre isso, quem é este homem? Você continua lutando contra ele?
R: Acho que respondi na questão anterior. Lutar sempre com a mesma cabeça pode te deixar para trás. É preciso renovar.
6. Como é para um homem de ação, ativista político, cineasta engajado, lidar com a burocracia estatal? Enfim, como foi a experiência à frente da Secretaria de Cultura? Ou, ao fim, não há diferença alguma?
R: Sempre encaro as diversas experiências como desafios, as diferenças dos meios não me afetam muito. Fiquei apenas dois anos na Secretaria e fiz de tudo lá: uma lei da cultura, APROVADA, SANCIONADA E POSTA EM PRÁTICA (ERA UMA LUTA DE 40 ANOS!!!); DESFAZENDO MITOS, EU, UM CINEASTA, É QUE FIZ A GRANDE REFORMA ADMINISTRATIVA NA SECRETARIA.
7. Aproveito o gancho: quais foram os desafios, enfrentamentos e conquistas para a realização do Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo? Nesta 5ª edição, ele se realizou enquanto projeto, é, enfim, uma realidade?
R: Olha, o Fernando Leça (presidente da Fundação Memorial) é uma pessoa que admiro profundamente: é batalhador ao extremo, perfeccionista e de uma pureza que nos emociona. Ele tornou o Festival uma realidade, contando com a competência do Calvoso (Fernando Calvozo – diretor de atividades artísticas da Fundação Memorial), do Jurandir (Müller – curador e diretor do Festlatino), do Xiquinho (Francisco César Filho – curador e diretor do Festlatino).
8. Por fim, uma pergunta de praxe: projetos futuros? Algum longa em produção; organização de novos festivais… ?
R: Vou falar do principal, um projeto que eu tentava há algum tempo e que acabou de sair do forno: uma adaptação (ficção) do romance “Vila dos Confins”, de Mário Palmério. O livro é considerado um dos principais romances brasileiros dos anos 50 e o assunto é… política. A delícia e as revelações importantes da política num momento de transição da vida brasileira, a metade dos anos 50, fim da era getulista e entrada da era JK: o momento em que o Brasil se afirma como uma sociedade urbana, progressista, mas ainda luta contra as forças do passado, os coronéis, os governos comprometidos com o passado.
Agora estou preparando o projeto para captar recursos: que eles não me faltem!!!!
Por Adriano Capelo
Foto Marcos Finotti
Serviço:
5º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo
12 a 18 de julho de 2010
Memorial da América Latina – Av. Auro Soares de Moura Andrade 664, Barra Funda
Cinesesc – Rua Augusta 2075, Cerqueira Cesar
Sala Cinemateca – Largo Senador Raul Cardoso 207, Vila Mariana
Museu da Imagem e do Som – Av. Europa, 158, Jardim Europa
Cinusp Paulo Emílio – Rua do Anfiteatro 181 favo 4, Cidade Universitária
ENTRADA FRANCA
Oficinas Audiovisuais do 5º Festlatino
Homenagem a João Batista de Andrade
‘Água fria do mar’, da costarriquenha Paz Fábrega, abre o 5° Festlatino
Confira como foram as edições passadas: