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Falas do debate (arquivos mp3)
O primeiro debate do 2º Festival de Cinema Latino Americano de São Paulo discutiu o papel “ativo” dos atores nos filmes produzidos na região. Mediado pelo crítico Ricardo Calil, a mesa contou com a participação do mexicano Emilio Valdes, (do filme “Drama/Mex”, que será exibido no Festival no dia 28 de julho, sábado, na sala 1 do Memorial, às 19h), do gualtemateco Daneri Gudiel (ator de “Las cruces”, que será exibido em 28 de julho, às 17h, na sala 1 do Memorial) e da brasileira Silvia Lourenço (atriz principal do filme “O Cheiro do ralo”, que passa na sala Cinemateca, dia 27, sexta, às 18h30).
Calil abriu os trabalhos deslocando a questão da identidade ao afirmar que, a seu ver, não há um único cinema latino-americano, mas sim vários cinemas da América Latina. “No entanto, podemos dizer que o que nos une é a dificuldade de produzir e exibir filmes, dificuldade esta partilhada por todos os países latino-americanos”. Basta dizer que em nenhum outro lugar do mundo os filmes hollywoodianos ocupam tanto espaço quanto na América Latina.
Mas essa precariedade tem uma vantagem: “o aspecto gregário do processo de filmagem”, conforme definiu Calil, “no qual cada participante – ator, fotógrafo etc – tem a oportunidade de desempenhar um papel maior”. O mesmo não acontece em um processo industrial de produção de filmes, como o norte-americano. Nele cada profissional não teria liberdade para ir além dos limites estritos da sua função, o que inibe a espontaneidade e, no limite, a criatividade.
Um bom exemplo dessa participação ativa dos envolvidos no processo de filmagem é a atriz brasileira Sílvia Lourenço. Após a filmagem de “Contra todos”, na qual ela fez o papel principal (Soninha) com total liberdade de criação, o diretor Roberto Moreira, ao perceber o interesse dela pelo desfecho da personagem, convidou-a para escrever o roteiro de seu próximo filme, “Condomínio Jacqueline”. Sílvia que vinha do teatro (estudou em 1997 com Antunes Filho e participou do projeto “Pret-a-porter”) hoje se define como uma “dramaturga com cabeça de atriz e atriz com cabeça de roteirista”.
“Quando a gente faz um filme de autor, no qual o diretor geralmente é quem escreve o roteiro – como em muitos casos na América Latina – fica mais fácil ter uma participação ativa, já que podemos conversar diretamente com o autor”, disse Sílvia. Outra coisa que ajudou-a a ser uma atriz co-autora do filme “Contra todos” foi a gravação digital: “Podíamos voltar a gravação várias vezes sem aquele sentimento de culpa de estar gastando muito dinheiro da produção”.
Emilio Valdes explicou que o filme “Drama/Mex” foi feito em cooperativa. “Nós mesmo criamos nossas próprias regras. Cada participante tinha várias funções”. Ela acha a liberdade de criação fundamental para o ator. “Pode ser uma maneira romântica de encarar as coisas, mas, como diria Fassbinder, minha vida é meu trabalho”. Ele critica um fenômeno mexicano muito parecido ao que acontece por aqui. “Acho um desperdício o que acontece no México, onde muitos talentos acabam indo para a publicidade, vendendo sua criatividade”. O ator mexicano criou seu personagem batendo na tecla da “juventude decadente” – um jovem gigolô, apático e insensível diante da realidade – inspirada em Jean-Paul Belmondo, em “Acossado”, de Jean-Luc Godard.
Quanto ao fato de dois filmes mexicanos disputarem o Oscar deste ano, ele “não vê como isso se reverta ao país; as peliculas se transformaram mais em ícones internacionais que atendem a outros interesses”.
Daneri Guriel é um ator da Guatemala, país que produz não mais de um filme por ano. O seu “Las Cruces” não foi bem aceito por setores de seu país, ainda dilacerado por um recém terminada guerra civil. “Ex-militantes dizem que não foi bem assim, só porque também mostramos as contradições da guerrilha”, explica
Guriel está no Brasil há 2 meses, onde filma um longa produzido pela HBO. No filme, ele faz o papel de um motorista de táxi boliviano em São Paulo que enfrenta a dificuldade da língua e uma cidade tão monstruosa quanto desconhecida.. Para ele, “o ator é a imagem da película. É ele que aparece, e não o processo anterior, atrás das câmaras. Por isso, o ator não pode deixar de interferir no filme.
“A maior semelhança entre os filmes latino-americano está em nossas falhas”, diz Guriel, “mas o estágio atual do nossa cinematografia não deve nada a ninguém – pode competir com qualquer cinema do mundo”. O guatemalteco se questiona se seria bom o surgimento de uma “indústria de cinema latino-americano”: “Que vantagens traria uma indústria cinematográfica? Mais dinheiro, mas com qual qualidade? Não, o importante é gerar uma cinematografia latino-americana”, conclui.
Já que os três se revelaram atores ativos, interessados em todo o processo de criação, a pergunta do mediador Ricardo Calil soou natural: “Vocês pretendem se tornar diretores de filmes?”. Sílvia disse se contentar em ser atriz e roteirista. “Será um desdobramento da minha trajetória até aqui, já que tenho um trabalho com videoarte, no qual dirijo a mim mesmo”, disse Emílio. Para Daneri é um imperativo. “Vou estudar agora na Escola de Cinema e Televisão de San Antonio de Los Baños, em Cuba. Pretendo sim dirigir filmes e, mais do que isso, produzir filmes. O meu país precisa”.