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São Paulo, 11 de novembro de 2008
A eleição de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos por si só é carregada de simbolismo. Construir pontes entre mundos diferentes, raças, classes sociais, países, continentes, culturas, interesses econômicos, geografias e tempos históricos (eras) parece ser seu legado desde já, antes até mesmo de sua posse. Mas avaliar qual será o impacto estrutural sobre a atual “frágil” economia americana e mundial, bem como as implicações sociais e políticas de sua gestão, é um desafio que tem deixado os analistas de orelha em pé.
“Creio que Obama será cauteloso nos primeiros meses de seu governo no campo econômico”, arrisca o professor venezuelano Carlos Romero, titular da Cátedra Memorial da América Latina, “mas ele implementará medidas de impacto logo de início no campo geopolítico, como retirar os presos da prisão de Guantánamo, Cuba, marcar a data para a retirada das tropas americanas do Iraque e iniciativas para destravar o processo de paz em Israel”, conclui.
O plano de Bush já virou cinzas frente ao avanço da crise. Mais medidas são necessárias especialmente para enfrentar a questão da nova arquitetura financeira mundial, já que sem financiamento a economia globalizada não funciona. “O novo governo de Obama deve tomar posição em relação aos escritórios de análise de risco, que se converteram em verdadeiras agências publicitárias… Neste campo, faz-se necessário uma agência pública controlada pelo Estado”, apregoa Romero.
O professor venezuelano estudou e lecionou nos EUA e por isso conhece bem sobre o que está falando. Ele deixa claro que não haverá uma mudança radical, nem na posição dos EUA no mundo, nem no statu quo do capitalismo. “Haverá uma regularização de capitalismo misto. O perigo é o remédio ser pior do que a doença, passar de uma economia liberal para uma com déficit fiscal crescente”, adverte.
Outro tema fundamental é o energético, muito citado por Obama na companha. “Esse discurso de que tornará o país autônomo em gasolina e etanol em 10 anos é pura conversa eleitoral”, avisa o professor Romero, que afirma que as corporações do petróleo fizeram polpudas doações a ambos os candidatos, mas mais a Obama, que arrecadou dois terços a mais do que seu concorrente. “Naturalmente, o novo presidente americano tem compromissos com a indústria petroleira também. Assim como o Brasil, com a certificação de novas reservas, os EUA têm interesse em desenvolver a indústria do petróleo. Com a queda do óleo nas bolsas, a gasolina americana baixou 40%, o que convém neste momento de crise. Para a retomada do crescimento faz-se necessária energia barata.”
Timing eleitoral
A eleição de Barack Obama não é uma surpresa, para Carlos Romero. “Desde as prévias, durante a disputa com Hillary Clinton, ficou claro que ele estava representando vários setores da sociedade americana, incluindo empresários, intelectuais, segmentos dos trabalhadores, setores jovens e setores de caráter técnico.” Tratava-se de enfrentar a política de Bush. Sua campanha acabou por reunir não só democratas, mas também independentes e até republicanos. Todos eles viram em Obama a possibilidade de frear a política dos setores republicanas que apoiaram Bush e de apresentar uma nova agenda político-econômica.
É inegável que o apoio a Obama cresceu à medida que a crise econômica se aprofundou. Sua eleição foi uma rejeição ao “voto cativo” republicano, ao presidente Bush e à crise econômica. Mas a “a campanha de John Mc Cain se concentrou em temas geopolíticos como a segurança e o combate ao terrorismo. Mas o timing não era correto: os EUA mudaram, já não são os mesmos de 2002. Mc Cain falava para um EUA de 6 anos atrás. Paradoxalmente, o americano já não se sente tão inseguro graças à ação de próprio Bush. Mc Cain falou a um eleitor que já não existe.”
Obama entendeu muito bem essa mudança e focou sua campanha em temas universais, vagos, e nas questões econômicas imediatas. Não somente ligou Mc Cain ao “voto cativo republicano” como à gestão de George W. Bush e ao discurso velho, fora de época. Segundo Romero, “Obama compreendeu que uma campanha de amplitude não era a típica de um negro ou a de um jovem, por isso centrou em temas eleitorais abertos. Se focasse a questão dos negros, perderia parte do eleitorado branco, se focasse os jovens, perderia os velhos, se focava o novo, perderia os que pedem experiência. O tema econômico a todos afeta, ao branco, ao negro, ao novo, ao velho, ao latino, índio, pobre, homossexual etc”
Obama e a América Latina
Esse discurso universal e heterogêneo tem vários problemas. Obama era um candidato camaleão: se estava com os cubanos da Flórida, atacava Fidel Castro; se estava com os intelectuais, dizia que teria que conversar com Fidel. Com os jovens, era jovem, com os negros, era negro… “E a questão que se coloca agora é o que fazer primeiro. Qual dos interesses ele vai tentar atender primeiro? Vamos promover os governos de centro ou de esquerda na América Latina? Vamos ter uma relação privilegiada com o Brasil, modelo de comportamento suave, ou com regimes mais ideológicos; vamos quitar o embargo econômico ou não, vamos ter mais impostos, teremos um segundo pacote de ajuda financeira?”, pergunta Romero.
A América Latina não pode esperar muito de Obama, pois naturalmente sua prioridade é o interesse nacional dos EUA. O professor Romero acha que em nossa região criou-se uma expectativa demasiada, de que Obama é de esquerda, que vai melhorar sua relação com Cuba e Venezuela…
“Creio que Obama vai flexibilizar o embargo, mas não acabar com ele da noite para o dia, pois isso inclusive pode produzir na ilha uma situação de caos, o que não convém aos EUA nem a Cuba. Se por um lado, o embargo econômico é a grande desculpa para Fidel e Raul manter o sistema de subsistência na ilha, os cubanos exilado na Flórida também são contra o levantamento do embargo. O fim do bloqueio econômico sobre Cuba vai ter que ser gradual e negociado entre os dois governos. Senão, todo mundo vai querer sair, vai ser como abrir uma válvula com grande pressão. Pode haver uma grande hecatombe”.
De qualquer forma, a América Latina não é prioridade para Obama, conclui Romero. A prioridade número 1 é a crise econômica, depois em o Oriente Médio, em terceiro a questão do relacionamento com a Rússia. “Na nossa região interessa manter o statu quo, pois na maioria os governos são democráticos e até Chavez ficou sem discurso. Ele não vai atacar Obama como atacava Bush. Pega mal. Creio que Brasil, por seu papel apaziguador, e Colômbia (pelas questões do narcotráfico e do terrorismo) e México serão os principais parceiros latino-americanos de Obama.”
Carlos Romero é um cientista político venezuelano com mestrado nos EUA e carreira acadêmica na Universidade Central da Venezuela, de Caracas. Sua trajetória internacional inclui períodos lecionando nos EUA, França, Espanha, Inglaterra e Brasil, onde ensinou no Prolam – Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina, da USP. Romero é autor de 10 livros, entre eles, “Jugando com el Globo. La política exterior de Hugo Chávez”.
O professor Carlos Romero passou o ano no Memorial dando aulas, palestras, participando de seminários e orientando alunos da USP, Unicamp e Unesp. Suas atividades fizeram parte do módulo “Comércio e Desenvolvimento” da Cátedra Memorial da América Latina, constituída pelo Memorial, as universidades públicas já citadas, e uma série de parceiros. Arguto observador da cena política e principalmente econômica do subcontinente latino-americano, o professor Romero traça um panorama deste fenômeno político internacional com repercussões para todo o mundo, que foi a recente eleição do primeiro candidato negro dos EUA.
Por Eduardo Rascov