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“Si la muerte me lleva, no ha de ser para siempre. Yo revivo en mis coplas para ustedes, para ustedes.. Assim ela cantou em Alcen la bandera“
A América Latina inteira reverencia a cantora Mercedes Sosa (1935 – 2009), falecida na madrugada desse domingo, 4 de outubro. Suas cinzas serão repartidas entre Tucumán, Mendonza e Buenos Aires. O Memorial se junta à corrente que homenageia a grande artista argentina, que com seu talento corajoso e voz tonitruante catalisou os ventos de mudança dos anos 60, 70 e 80 e manteve a bandeira da utopia até o fim. Simbolicamente, suas cinzas também ficarão eternamente depositadas no Memorial da América Latina. O Memorial já estava programando – e agora vai apressá-la – uma grande homenagem à cantora, com a participação de intérpretes brasileiras.
Mas, assim que souberam da morte de Mercedes Sosa, os dirigentes do Memorial se mobilizaram para – na emoção do momento – fazer uma primeira homenagem à cantora que tanto significou para a América Latina. No domingo à noite, no intervalo do 16º “Grande Gala” do Encontro Nacional de Dança (ENDA 2009), no Auditório Simón Bolívar, o Diretor de Atividades Culturais do Memorial, Fernando Calvozo (clique para baixar o vídeo), proferiu algumas palavras emocionadas, enquanto eram exibidas no telão imagens e som da cantora, vibrando com vigor seus tambores ancestrais. Calvozo destacou o “vínculo especial com o Brasil, onde possuía muitos amigos e gravou duetos que entraram para a história da música latino-americana, com Chico Buarque, Milton Nascimento, Gal Costa, Beth Carvalho, Raimundo Fagner”, entre outros. A platéia, na qual se encontrava o presidente do Memorial, Fernando Leça, explodiu em demorado aplauso.
Mercedes Sosa se apresentou no Memorial em três shows inesquecíveis. O primeiro, em 14 de julho de 1989 (clique para baixar o vídeo), além de León Gieco, contou com um convidado inesperado. É Juçara Carbonaro, gerente do Auditório Simón Bolívar, quem relembra: “Nos camarins, Mercedes Sosa se mostrou muito à vontade, conversando longamente com quem se aproximasse. Quando o show estava para começar, surge um vulto na escuridão e me pede para assistir o show incógnito, escondidinho”. Juçara então o leva à cabine de som, mas alguém avisa Mercedes que ninguém menos do que Milton Nascimento veio especialmente para ve-la. É claro que Mercedes “exigiu” que Milton fosse ao palco e os dois cantaram algumas músicas juntos. No meio do show, ela disse que “queria fazer uma homenagem ao que significa este Memorial ´de la amizad´, que não é uma palavra, não é uma frase, mas deve ser uma realidade para todos nós”. No “Livro de Ouro” do Memorial, ela simplesmente escreveu a palavra “Amor” e depois assinou (veja abaixo).
Mercedes Sosa também se apresentou ao ar livro na Praça Cívica do Memorial, quando foi inaugurado o Parlamento Latino-Americano, Parlatino, em 1991 (hoje o Parlatino foi transferido para a República do Panamá). Na ocasião, mais de 10 mil pessoas lotaram a praça. Novamente Milton Nascimento esteve presente e no fim subiu ao palco também o músico argentino Fito Paez.
Este momento foi eternizado pelas palavras da jornalista Maria José Sá, em seu blog http://my.opera.com/Mariazeze/blog/index.dml/tag/Mercedes%20Sosa, onde há preciosas imagens do show:
“No ar, um cheiro suave de rosas que vinha de incensos queimando nos quatro cantos do palco. Mercedes entrou usando seu poncho vermelho e carregando seu inseparável tambor indígena. Uma figura imponente e ao mesmo tempo maternal, serena, voz forte. Ela cantou mais de dez músicas com o coro de 10 mil vozes. No final, Milton Nascimento, Tânia Libertad, León Gieco, Fito Paez e outros grandes que lá estavam entraram no palco e todos juntos cantaram “Gracias a La vida“.
Outra cantora brasileira tocada com o fim de Mercedes Sosa é Miriam Mirah, cuja carreira ficou marcada pelas passagens como vocalista dos grupos Tarancón e Raíces de América. Mirah se apresentará no Memorial em novembro na Série Conexão Latina. Enquanto tratava disso com o produtor Maurício Rahal, enviou-lhe um e-mail contando um episódio emblemático sobre o início da sua relação intensa com os músicos brasileiros. O texto fala da primeira vez que, segundo ela, La Negra veio ao Brasil e acabou indo ao campus da USP. Naquela época o músico Abílio Manuel produzia e apresentava o programa “América do Sol”, na Rádio USP, cuja vocação era a música latino-americana. Leia a seguir a mensagem emocionada de Mirian Mirah.
“O ano de 1976 foi o que trouxe La Negra pela primeira vez ao Brasil. Tinha 2 amigos uruguaios, estudantes da FGV, mas que também representavam um jornal uruguaio no Brasil. Eles souberam da chegada da Mercedes em Sampa, marcaram com Marcos Lázaro uma entrevista e me levaram. Ninguém a conhecia aqui. Foi uma emoção enorme, eu já era sua discípula, e já cantava todas as canções que conhecia. Levei um violão, e numa grande cara de pau e inocência, próprias da idade na época, disse a ela que mostraria uma canção brasileira que era a cara dela: “Sán Vicente” (M. Nascimento – F. Brant).
Foi a primeira canção brasileira que ela interpretou, na hora quis aprendê-la. E de quebra, disse-me: “Pero Miriam, que bién cantas”, com espanto, pois dentre todas as emoções compartilhadas naquele dia, ela não imaginava uma brasileira interpretando música latino-americana. Elis estava em cartaz com o show “Falso Brilhante”, e ela também foi até lá para conhecê-la, pois no repertório do show e do disco estavam “Gracias a La Vida” e “Los Hermanos”.
Ela apresentou-se num show no Palácio das Convenções do Anhembi, que estava cheio, porém com um público direcionado, em seguida foi pro Rio, e retornou a São Paulo, antes de voltar pra Argentina. Neste retorno, combinamos com ela uma apresentação gratuita com os estudantes, que aconteceu no Anfiteatro ao Ar Livre da FAU-USP, numa tarde de sol inesquecível. No meio do show, ela chamou Abílio Manuel para cantar com ela, e em seguida disse: “Miriam? Donde está Miriam?” e me chamou ao palco pra interpretar com ela Sán Vicente”. Eu torcia pra isto acontecer, mas na hora foi uma comoção, minha “ídola” me chamando pra cantar com ela!
Assim ela tornou-se minha madrinha musical. Um pouco depois, em janeiro do ano seguinte, fui visitá-la em Buenos Aires a convite dela, e fiquei hospedada em sua casa. Após todos estes anos, aconteceu um afastamento natural, tive 4 filhos, minha carreira seguiu seu rumo, os outros artistas brasileiros passaram a assediá-la por demais, as novas cantoras passaram a dar canja… Em respeito a esta história muito especial que tive com ela, eu a amei de longe. Nem em seu último show aqui (outubro do ano passado) pude vê-la – pois estava trabalhando.
Durante este ano, ouvi todo o repertório mais recente dela, fiz um show só com as canções mais significativas, por muita saudade, principalmente quando soube que ela estava doente (não pode fazer seu último show no Brasil, em Cuiabá) e meu coração apertou. Pra mim, não há nenhuma cantora maior que ela, e ainda por cima generosa, como ninguém mais consegue ser.”
Veja o vídeo de homenagem feito pelo Memorial a Mercedes Sosa
Diretor de Atividades Culturais do Memorial homenageia a cantora
Por Eduardo Rascov