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Terminamos no final de novembro o curso de dez meses e 27 aulas, dividido em dois módulos, que chamamos O Espelho Enterrado. O projeto, de bastante sucesso pelo número (219 inscritos no primeiro semestre) e a participação de alunos (profissionais de história, relações internacionais, ensino de espanhol, editores e sociólogos), tinha como eixo a obra do mesmo nome do escritor e ensaísta panamenho-mexicano Carlos Fuentes. Partindo dos momentos fundacionais da Ibéria, logo chamada Hispania, depois Espanha (e Portugal), a nação peninsular se forma num confronto e fusão de povos que, dos iberos e celtas, até os romanos, vândalos, visigodos e mouros, criam uma nação e partem para a conquista de um Novo Mundo, a atual América.
O curso prendeu a atenção dos alunos porque analisa a história e suas criações superestruturais, a cultura, as artes, costumes e folclores, modas e rituais como um devir incessante e ininterrupto, da península ibérica ao novo continente, na qual as contradições entre religiões e etnias em conflito e em fusão foram apresentadas e discutidas como elementos potencialmente ricos na criação das características particulares dos nossos povos latino-americanos. Se é verdade que o curso Espelho Enterrado tenha sido um sucesso este ano é porque trouxe ao Memorial a visão de uma América Latina diversa, heterogênea, mas com processos às vezes parecidos, coincidentes, equiparáveis.
O primeiro semestre – dedicado a uma análise mais linear do processo histórico, dos celtas aos nossos dias, passando pelas grandes culturas asteca, maia, inca, guarani e mapuche, e pelos confrontos entre um império espanhol decadente e uma nascente revolução independentista e revolucionária dos “criollos”- abriu caminho para o segundo ciclo, de agosto a finais de novembro, em que se analisou a arte, a música, o cinema, e sobretudo a literatura de cada período, tanto na Espanha decadente da passagem do século XIX ao XX, como na República florescente de antes da Guerra Civil, e a posterior, com suas sequelas de exílios e novas migrações.
Do meu ponto de vista, que é o de um argentino residente há 40 anos no país, editor e autor de livros didáticos, ensaísta, contador de história e trânsfuga da arquitetura (pela qual se esforçou até formar-se, mas nunca pegou o diploma), o curso foi importante para abrir novos horizontes ao jovem que nunca tinha ouvido contar histórias mais que parciais sobre a América hispânica; e ao não tão jovem que, sim, conhece mais um pouco e simpatiza com as culturas de costas às quais o Brasil se nega a integrar-se totalmente.
Como escritor, professor e coordenador deste curso, coloquei o máximo esforço e entusiasmo em fazer compreender que a História e a Memória não são adornos intelectuais e sim ferramentas para a construção de um presente e um futuro melhores. Para mim, a integração latino-americana é um pré – requisito para o nosso crescimento como nação, em liberdade e plena de direitos.
Para o ano que vem, ainda não está definida sua continuação, mas se tudo der certo a ideia é falar sobre a história (e a política) através dos ganhadores latino-americanos do Prêmio Nobel de Literatura. Como se sabe, seis escritores latino-americanos ganharam esse prêmio – que é concedido a cada ano pela Academia Sueca “por relevantes contribuições no âmbito das letras”. Foram eles Gabriela Mistral e Pablo Neruda (Chile), Miguel Ángel Asturias (Guatemala) , Gabriel García Márquez (Colômbia), Octavio Paz (México) e Mario Vargas Llosa (Peru). Essa lista vencedora projeta uma sombra e o vazio: os nomes dos prêmios sempre esperados e nunca concedidos: Borges e Cortázar da Argentina, Benedetti e Galeano no Uruguai, e os sempre esquecidos brasileiros, entre eles, José Lins do Rego, um dos mais brilhantes escritores de língua portuguesa, que nasceu no mesmo ano em que foi dado o primeiro Nobel.
Com uma obra literária que cabe na definição de Alfred Nobel ao merecedor da distinção, Lins do Rego morreu em 1957, ano em que o ganhador do prêmio foi o franco-argelino Albert Camus “por sua produção literária importante, que com lúcida sinceridade ilumina os problemas da consciência humana”, segundo a Academia dos suecos. Ou também Carlos Drummond de Andrade, Ariano Suassuna, ou José Mauro de Vasconcelos, outros que nunca foram sequer lembrados. Até Jorge Amado, o único escritor brasileiro a ser cogitado para o prêmio, pelo seu sucesso no exterior (desde os anos 50 sua obra foi traduzida para quase todas as línguas, inclusive o sueco), não foi premiado. Aliás, Jorge Amado nunca se conformou de não ter trazido o Nobel de Literatura para o país, assim como Jorge Luis Borges na Argentina.
O Prêmio Nobel de Literatura é concedido em Estocolmo desde 1901, à exceção das interrupções durante as guerras mundiais. São elementos polêmicos do evento tanto a sua super-valorização, como as tendência hegemônica que o prêmio representa.
Mas, além dos Prêmio Nobel e antes de entrar no estudo das suas obras, vamos abrir o curso com dois autores argentinos que são fundacionais na nacionalidade moderna e do próprio estado, da construção do conceito de governo e do seu funcionamiento, preparando e adiantando-se à passagem do país do século XIX ao XX: Esteban Echeverría e Sarmiento, com suas obras El Matadero e Facundo, respectivamente.
O curso será uma revisão muito detalhada da história, a política e a arte da América Latina (sem a Espanha dessa vez), através da literatura, partindo desses dois argentinos fundacionais, porque são os gurus do liberalismo positivista em todo o subcontinente, e passando pelos seis Nobel, como roteiro para enganchar todo o resto.
Por Victor Barrionuevo