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O ciclo de debates que aconteceu durante 1º Festival de Cinema Latino-Americano foi encerrado de forma magistral na tarde do dia 14 de julho, com uma mesa que reuniu os cineastas argentinos Marcelo Piñeyro (Kamchatka), Pablo Trapero (Família Rodante), o cubano Juan Carlos Cremata Malberti (Nada) e o brasileiro Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus).
Os diretores, que fizeram parte da mesa 2 do tema “A desinvenção da fronteira”, contaram suas experiências de produção e filmagem. O que ficou claro é que a necessidade de fazer cinema supera qualquer dificuldade – e elas são muitas. A reflexão sobre o fazer cinematográfico na América Latina, tema que perpassou todas as mesas, foi o maior ganho do público que esteve presente aos debates.
Oriundo de uma escola de cinema, o argentino Marcelo Piñeyro dirigiu o seu primeiro filme (Tango Feroz, 1993) tratando de uma temática muito próxima aos argentinos: o seqüestro de bebês durante a ditadura militar (1976-1982). Trabalhou durante seis anos no projeto, foi difícil conseguir financiamento, mas, quando o filme estreou, teve êxito nas salas, o que lhe propiciou a continuidade na carreira. O filme mais recente de Piñeyro, “O Método”, está presente neste festival.
Seu conterrâneo Pablo Trapero, que conta com o seu excelente “O outro lado da lei” neste festival, contou que a sua geração – também formada em escolas de cinema, o que, para ele, gerou um marco teórico da cinematografia Argentina – tem uma necessidade visceral de contar uma realidade, seja ela social, pessoal ou abstrata.
Muitos desta geração começaram a fazer filmes no meio publicitário, com câmeras emprestadas e equipes amadoras. Ele conta que levou um ano e meio para filmar o seu primeiro longa, “Mundo Grua”, pois o fazia nos fins de semana, com amigos. Mas, depois de pronto, começou a viajar com o filme e a travar contato com outras realidades. “Antes, a América Latina era uma abstração para mim”.
A partir daí, ele passou a procurar a cinematografia do continente, que ele diz ter, como características principais, a diversidade e a espontaneidade. “Eu não faço cinema argentino. Eu sou um argentino que faz cinema. Para mim, o cinema latino-americano não pode ser um subgênero. Esses rótulos conspiram contra nós”, avaliou.
O jornalista e crítico Pedro Butcher, que mediou o debate, lembrou que já nos anos 50 os cineastas franceses François Truffaut e Jean-Luc Godard contestavam o rótulo cinema nacional. Para eles, existia o cinema de diretores. Pois, na própria França, por exemplo, os filmes são muito diferentes entre si.
O cubano Juan Carlos Cremata, que estudou na Escola de Cinema de San Antonio de Los Baños, homenageada neste festival por ocasião de seus 20 anos, conta que a sua formação cinematográfica, diferentemente dos argentinos e brasileiros que tiveram pouco acesso à filmografia da região, foi bastante diversificada e que ele assistiu sobretudo aos filmes latino-americanos.
Para ele, a importância da escola de cinema foi a formação e espectadores e criadores ativos. “Na escola a gente não fazia cinema, a gente comia cinema, respirava cinema, falava cinema, tudo era cinema”, resumiu. Ele teve professores de todas as partes do mundo, inclusive americanos – do cinema independente – como Robert Redford, Francis Ford Coppola e George Lucas.
Cremata contou que, para fazer cinema em Cuba, é preciso estar ligado aos órgãos oficiais. “Em Cuba não se pode falar em cinema independente. A independência, para eles, foi alcançada com a Revolução e ponto final”, disse, causando risadas na platéia.
O cubano falou bastante das dificuldades de conseguir dinheiro para seus filmes e dos métodos alternativos que teve de criar para produzi-los, contando com a colaboração de toda a sua família, inclusive sua avó, que trabalhou de atriz no seu “Viva Cuba”.
O pernambucano Marcelo Gomes, que fez um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos, “Cinema, Aspirinas e Urubus”, selecionado pelo Festival de Cannes do ano passado, falou da dificuldade que teve de distribuir o filme no próprio país. “Falei com exibidores que disseram que o público só gosta de filmes falados em inglês”, relatou.
Ele, que ganhou uma bolsa para estudar cinema em Londres, já que até hoje não existem escolas de cinema em Recife, contou que montou cineclubes nos anos 80 para ver filmes latino-americanos e de outros continentes, já que o circuito comercial só exibia o cinema hollywoodiano. E falou da sua enorme identificação ao ver os filmes argentinos atuais. “Acho que as fronteiras se quebram aí. Mas são só algumas fronteiras, já que o problema da exibição segue sendo o maior complicador para que nos conheçamos reciprocamente”, concluiu.
Fotos: Paloma Varón