Antonio Bento e Romero Brest: o movimento abstrato como fluxo universal

Araceli Barros da Silva Jellmayer Bedtche

Ao analisarmos o desenvolvimento e expansão do abstracionismo no Brasil, é fundamental considerarmos a atuação de uma crítica de arte especializada mediante a efervescência cultural paulista na década de 1950.  Neste contexto, um evento importante foi a Bienal Internacional de Artes Plásticas de São Paulo, ligada ao MAM-SP e realizada pela primeira vez em 1951. Tratava-se do gesto do industrial Francisco Matarazzo Sobrinho convertendo-se no evento ápice de uma intensa fermentação cultural.

Lourival Gomes Machado, diretor artístico da 1ª mostra e encarregado de organizar o texto do catálogo da primeira versão, afirmava que o propósito da Bienal era colocar a arte moderna do Brasil em contato com o circuito mundial e, ao mesmo tempo, situar São Paulo como centro artístico internacional. Assim, os artistas ficariam informados sobre o que ocorria em Paris e Nova Iorque e também sobre o que se passava na América Latina.

Esse importante evento de atualização foi acompanhado de perto pelo crítico Antonio Bento de Araújo Lima por meio das páginas do Diário Cariocano qual informava seus leitores sobre as novidades culturais do Brasil e do mundo. A mostra atraiu a atenção da crítica de arte internacional, inclusive do crítico argentino Jorge Romero Brest. Nessa análise serão considerados, portanto, os ensaios críticos publicados regularmente no Diário Cariocade autoria de Antonio Bento, e o número 26 da revista Ver y Estimar, veículo das profundas elucubrações do crítico argentino sobre o panorama das artes no Brasil.

A trajetória intelectual, profissional e acadêmica de ambos os críticos promove pontos de contato e de distanciamentos. Porém, o mais importante é que, iniciando suas vidas com formações alheias à arte, mas com um interesse intrínseco pela mesma, ambos decidem exercer a crítica de arte por julgarem o cenário artístico de seus países displicentes com as manifestações modernas.

Antonio Bento nasceu em Araruna (PB) em 1902. Formou-se em Direito na Faculdade do Catete (RJ) em 1925. Passou a integrar a equipe do DC em 1934 na função de redator. A partir de 1939, passou a escrever periodicamente na seção ARTES até dezembro de 1965. Faleceu no Rio de Janeiro em 1988.

Jorge Romero Brest (1905-1989) advogado de formação abandonou essas funções para dedicar-se ao estudo das artes plásticas. Seu primeiro ensaio crítico, El problema del arte y el artista contemporáneos / Bases para su dilucidación, foi publicado em 1937. Em 1948, fundou a revista Ver y Estimar.

Junto com a fundação do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em julho de 1948, instituía-se o debate figuração x abstração. A Bienal, por sua vez, foi a via pela qual se deu o contato e, por conseguinte, um embate com a arte estrangeira. A abstração foi inserida e acabou por se afirmar por meio da intensa polêmica com a arte figurativa de pintores modernos brasileiros. Com a Bienal predominou o espírito de liberdade, a tal ponto que a ideia que prevaleceu foi a de ser a mostra um acontecimento de atualização para a arte brasileira.

Em meio à defesa e promoção do abstracionismo no Brasil, estabelece-se também uma aproximação política entre Brasil e Argentina, considerando-se uma atuação diferenciada da iniciativa privada brasileira na criação de órgãos culturais.  Neste contexto, destaca-se a atuação de Assis Chateaubriand com a fundação do Museu de Arte de São Paulo, em 02 de outubro de 1947. Em 1950, O MASP consolidava um importante acervo, resultante do mecenato de Chateaubriand e da política de aquisições do seu diretor, Pietro Maria Bardi. Nesse contexto de modernização, insere-se a iniciativa do MASP em patrocinar as conferências ministradas por Jorge Romero Brest, Como ve un sudamericano el movimiento artístico contemporáneo en Europa, em dezembro de 1950. Tal fato possibilitou o contato com as vertentes abstracionistas, antecipando-se à Bienal de São Paulo.

Outros fatores relevantes para o período foram à criação do Museu de Arte Moderna de São Paulo, por Francisco Matarazzo Sobrinho, em 1948, e, nesse mesmo ano, a criação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Todas essas instituições abriram espaço para a difusão contínua da arte, atraindo a atenção do público nacional e internacional, convertendo o Brasil em ponto irradiador do abstracionismo como uma nova linguagem artística a ser adotada também na América Latina.

Neste sentido, a aproximação com a Argentina por meio da figura de Jorge Romero Brest, incansável colaborador, foi de vital importância. Assim, a década situada entre a criação da Bienal, em 1951, e a inauguração de Brasília, em abril de 1960, foi um dos períodos mais férteis da história da arte brasileira no século passado. Foi também o período áureo da crítica de arte no país.

Sobre:

A professora Araceli Barros da Silva Jellmayer Bedtche (Doutora PROLAM/USP) participou do curso Miradas sobre a América Latina: Primeiro ciclo sobre Educação e Cultura, oferecido pelo Centro Brasileiro de Estudos da América Latina (CBEAL), deste Memorial, e pelo Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina (Prolam-USP).

O artigo acima integra o livro Antonio Bento e Romero Brest: promoção e entendimento do abstracionismo como linguagem artística universal no Brasil e Argentina.

E-mail: araceli.bedtche@usp.br

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