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São Paulo, 17 de setembro de 2008.
Como parte da programação do 3º módulo Cátedra Memorial da América Latina, o professor venezuelano Carlos Romero ministrou o workshop “Classe média na economia internacional”, no Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (NUPRI) da Universidade de São Paulo, durante todo o dia 17 de setembro. O evento, coordenado pela professora Elizabeth Balbachivsky, foi voltado a pesquisadores e graduandos das áreas de ciências políticas e relações internacionais.
O catedrático abriu a programação da manhã lembrando da problemática que envolve o termo “classe média”: “Antes de entramos no assunto é necessário pensarmos no que é considerado classe média hoje em dia”, disse Romero, que continuou: “antigamente esse setor social era entendido de uma maneira que não se encaixa mais perfil social contemporâneo”. O professor traçou um breve painel sobre os estudos políticos realizados até então.
Segundo a concepção aristotélica, por exemplo, a classe média seria a responsável em manter o equilíbrio do Estado – com um setor intermediário forte, haveria mais consenso no política. No século XX desenvolve-se a idéia de que o aumento de classe média estaria intimamente ligado ao desenvolvimento econômico e político do país, ou seja, quanto maior a classe média mais democrático e desenvolvido este seria.
Porém, Romero sugeriu que as mudanças contemporâneas derrubam algumas questões anteriores e propõe novos campos de análise. O ponto mais importante diz respeito à forma com que passou a ser vista: “Depois da Revolução Francesa, entrou em vigor o conceito universal de cidadão, que não leva em conta as características heterogêneas das sociedades. Sabemos que não é verdade que todos são iguais perante a lei e que etnia, gênero, opção sexual e religiosas são fatores segregacionistas que rompem com a unidade da classe média”.
“Podemos observar três grandes processos que levantam esses problemas teóricos”, ele explica. “O primeiro diz respeito à falta de clareza entre o urbano e o rural. Hoje tem-se uma mescla de processos econômicos, a produção primária está tão moderna quanto a dos outros setores, o que criou uma nova subdivisão, a classe média rural. O segundo é quanto a identidade política, o caráter particular de cada grupo ou indivíduo tem um grande peso. E o último aspecto é de natureza econômica, o ingresso à classe média deixa de ser um produto simplesmente de seu salário, e passa por uma série de outros fatores que inclui formas de consumo, as chamadas remessas e o trabalho informal”.
Para melhor exemplificar, o professor cita o caso cubano: “As remessas enviadas pelos familiares que estão trabalhando fora de Cuba são, na maior parte dos casos, superiores aos salários dos trabalhadores formais da ilha. Esse processo acaba por inserir na classe média, um setor antes marginalizado”.
Uma das perguntas que o catedrático tentou responder foi quanto a situação atual da classe média: “A instabilidade econômica derruba o mito americano de happiness. Aquela imagem de família feliz e sem problemas que vemos nos filmes Hollywoodianos não se aplica na prática. A classe média é o setor mais desprotegido e que, por conseqüência é o que mais sentes os abalos na economia”, relata Romero.
O professor ainda ressaltou a importância do estudo político desta parcela intermediária da população, que contribui para um maior entendimento de seu comportamento eleitoral: “Os políticos em sua maioria não enxergam que o eleitorado é segmentado e necessitam de políticas públicas específicas”.
No período da tarde, a classe média foi abordada segundo aspectos econômicos. Romero discutiu a questão do consumo, da migração e do multiculturalismo. “O consumo está relacionado à estabilidade do salário e ao fortalecimento da economia”, explica e continua “é verdade que a classe tende ao exagero, ao consumismo e por isso é criticada, mas por outro lado impulsiona o crescimento econômico”.
Sobre o tema da migração, o catedrático observou que não é somente os mais desfavorecidos que saem do país em busca de melhores salários, a classe média não fica de fora. “Antigamente falava-se muito na fuga de cérebros, os intelectuais deixavam o país atraídos pelas melhores condições de trabalho e pesquisa no exterior. Isso ainda acontece, porém, muitos agora executam atividades que não estão ligadas a sua formaçã. Como na Venezuela”, continua Romero, “onde um estudo feito na Universidade Central da Venezuela relata que, em 5 anos, 220 jovens médicos formados foram para o Canadá, desde número aproximadamente 170 foram para trabalhar de paramédicos. Pode parecer um número pequeno no Brasil, mas na Venezuela representa 25% dos médicos formados na universidade”.
Muitos desses migrantes retornam aos seus países de origem trazendo consigo novos hábitos, costumes, influências e até uma nova língua. O professor explica que surge desta mistura o conceito de multiculturalismo. Romero lembra do bombardeio dos meios de comunicação e publicitário que sofre a classe média: “apesar da quantidade de informação a que tem acesso, a classe média contemporânea está passando por um retrocesso, está cada vez mais reacionária, manipulada e sem educação”.
Carlos Romero é um cientista político venezuelano com mestrado nos EUA e carreira acadêmica na Universidade Central da Venezuela, de Caracas. Sua trajetória internacional inclui períodos lecionando nos EUA, França, Espanha, Inglaterra e Brasil, onde ensinou no Prolam – Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina, da USP. Romero é autor de 10 livros, entre eles, “Jugando com el Globo. La política exterior de Hugo Chávez”.
No dia 23 de setembro, o professor Romero ministrará palestra sobre a situação atual da América Latina, no Teatro Florestan Fernandes da Universidade de São Carlos. No dia 26 de setembro a 4 de outubro estará em Caracas, Venezuela, para participar do Fórum sobre as relações de segurança na América Latina e Caribe. De 28 a 30, vai para a Colômbia discutir a nova geopolítica na América Latina.
A Cátedra Memorial da América Latina surgiu há três anos por meio de uma parceria entre o Memorial e as três universidades públicas paulistas (USP, Unicamp e Unesp), e conta com o apoio de instituições de ensino latino-americanas e empresas privadas. Essas atuam como sponsors (financiadoras). Seu objetivo é investigar um tema previamente escolhido de relevância latino-americana. Para isso, a Comissão de Orientação da Cátedra Memorial da América Latina escolhe o catedrático entre os mais conceituados pesquisadores latino-americanos.
Por Gabriela Mainardi
Fotos 1 e 2: Gabriela Mainardi