I. Apresentação
A música popular é um dos produtos da cultura lúdica mais importantes entre os povos latino-americanos. Não é por acaso que estudiosos como Gilberto Freyre e Georges Magnane dedicaram parte de seus estudos sobre a corporalidade desses povos. Não bastasse esse aspecto, a música latino-americana tem ainda toda uma história ligada às questões político-ideológicas em todo o continente. Para não voltarmos muito no tempo, basta observarmos a história contemporânea desse continente, especialmente a partir dos anos 60 do século XX até nossos dias.
A música popular brasileira, por exemplo, sempre esteve muito sintonizada com os acontecimentos políticos do país. Assim, se percorrermos nossa história pode-se observar que o binômio música/política tornou-se um dos principais instrumentos de análise da realidade sociopolítica em nosso país. Apenas para lembrar, o Estado-Novo calou seus adversários com uma censura extremamente rígida. Baniu a democracia do país, semeou a incerteza e a insegurança. É nesse contexto que surge a chamada canção ufanista, o samba exaltação em defesa dos valores do Estado. As canções de Ary Barroso são as mais conhecidas dessa época, mas não as únicas. Vivíamos o auge da “Era do Rádio” e a música popular reinava soberana como o mais importante produto da cultura lúdica brasileira.
Um pouco mais tarde, a partir de 1964 e dentro de um quadro sociopolítico semelhante, surgiriam os grandes festivais da canção popular brasileira. Com eles, emerge ainda não apenas uma jovem e talentosa geração de cantores e compositores. Foi também um período de grande enfrentamento político-ideológico com os militares que governavam o país. Aos desmandos e proibições, a canção popular respondia com a contestação ao autoritarismo. Nem sempre, no entanto, a censura permitia a circulação desse protesto e tudo se perdia no mutismo imposto pela força e a arbitrariedade. Mas, para o bem da cultura brasileira, a canção popular registrou esses momentos da nossa história, que passam agora a ser analisados no decorrer deste curso.
Já na década de 70 do século passado, houve no continente latino-americano, uma verdadeira “avalanche” de ditaduras militares. Salvaram-se dessa tragédia pouquíssimos países. A Venezuela foi um desses. A Argentina e o Chile, no entanto, tiveram regimes militares cruéis. Os generais Jorge Videla e Augusto Pinochet, respectivamente, destruiriam a democracia em seus países, à custa de muitas vidas. Para o bem da história política desses países, a música popular (entre outras formas de manifestações artísticas) registrou esses acontecimentos. Que se pense, por exemplo, nas canções de Mercedes Sosa, Violeta Parra e Piero. O texto poético desses cantores/compositores traz as agruras, tristezas e aflições pelas quais passaram as sociedades argentina e chilena. As denúncias das arbitrariedades praticadas pelo Estado foram devidamente registradas e documentadas pela canção popular desses países.
Durante as aulas usaremos recursos audiovisuais apresentando e analisando as canções mais significativas desse período. Exibiremos depoimentos dos principais personagens desse momento da nossa história, discutindo justamente as relações com o Estado e a censura. É claro que os desdobramentos da falta de liberdade para criar não ficariam circunscritos apenas à música popular. O teatro, a literatura e o cinema, entre outras manifestações artísticas, foram igualmente atingidos. Embora não seja o tema central do curso, trataremos obrigatoriamente dessa questão.
II. Programa do Curso
1. A música popular brasileira e o Estado Novo
2. A canção popular no governo de JK
3. As origens da bossa nova e sua politização
4. Jânio e Jango: prelúdio dos grandes festivais
5. O definhamento da democracia e a canção de protesto
6. A volta da caserna à política e a resistência da M.P.B.
7. O exército avança e a canção emudece
8. A crise da democracia na América Latina
9. A resistência ao autoritarismo pela canção popular
10. Os casos de Argentina e Chile (I)
11. Os casos de Argentina e Chile (II)
12. A abertura política e a nova canção popular
13. Ressurge a democracia de “cara pintada”
14. A canção latino-americana deste início de século.
III. Distribuição do Curso por dias de aulas
– 19 de março: “A música popular brasileira e o Estado Novo”
Nessa época a música popular tinha no samba, seu ritmo mais importante. As músicas ufanistas de Ary Barroso eram as preferidas do establishment, justamente porque exaltavam o nacionalismo predominante nesse período. O rádio foi um instrumento político muito forte para o Estado nesse momento.
– 26 de março: “A canção popular no governo de JK”
No governo JK surge o mais importante movimento de transformação da música popular brasileira: a Bossa-Nova, que mais tarde se internacionalizaria, transformando-se em referência estética da cultura musical do nosso país.
– 2 de abril: “As origens da bossa nova e sua politização”
No início dos anos 60 o país passaria por grave crise política e a bossa-nova politizaria seu discurso engajando-se nas transformações pelas quais o país teve que passar. Predominavam os temas sócio-políticos.
– 9 de abril: “Jânio e Jango: prelúdio dos grandes festivais”
Os festivais sobre a música popular brasileira não se limitaram apenas à música. As questões políticas estavam presentes, especialmente nos textos poéticos das chamadas canções de protesto.
– 16 de abril: “O definhamento da democracia e a canção de protesto”
Os militares assumem o poder. A música popular brasileira, a partir desse momento, seria grande instrumento de denúncia da falta de liberdade. A censura passa a vigiar estreitamente a cultura brasileira.
– 30 de abril: “A volta da caserna à política e a resistência da M.P.B.”
Com os militares no poder, a sociedade trava verdadeira batalha para manter a normalidade democrática. A música popular brasileira resistiu à censura imposta, mas com grande prejuízo para nossa cultura.
– 7 de maio: “O Exército avança e a canção emudece”
Os militares endurecem ainda mais o regime. A canção popular, como de resto todas as artes em nosso país, ficariam sob séria vigilância. Nem mesmo assim, houve um refluxo qualitativo como poderia se pensar.
– 14 de maio: “A crise da democracia na América Latina”
Chegávamos ao início dos anos 70. A maioria dos países latino-americanos seria tomada por governos autoritários. A canção popular latino-americana iria resistir ao autoritarismo.
– 21 de maio: “A resistência ao autoritarismo pela canção popular”
Em toda a América Latina surgem movimentos artísticos de resistência ao autoritarismo. A canção popular assumiria lugar de destaque ao denunciar a força-bruta por meio do texto poético.
– 28 de maio: “Os casos de Argentina e Chile (I)”
O governo militar argentino instalou rigorosa censura aos cantores que denunciavam a falta de liberdade naquele país. Muitos deles foram deportados e outros resolveram partir para o exílio espontâneo para preservar sua vida.
– 4 de junho: “Os casos de Argentina e Chile (II)”
Processo idêntico aconteceu no Chile. O general Augusto Pinochet foi implacável com os cantores e compositores chilenos que clamavam por liberdade democrática. Alguns desapareceram simplesmente. Outros conseguiram fugir da brutalidade da ditadura dos militares.
– 11 de junho: “A abertura política e a nova canção popular”
Com a abertura política, a partir do governo Geisel, a canção popular brasileira recicla seu discurso, mas continua reivindicando as liberdades democráticas.
– 18 de junho: “Ressurge a democracia de cara pintada”
A partir de 1986, com a volta das liberdades democráticas, a canção popular brasileira também muda seu discurso. O ambiente tenso desaparece, surge uma nova geração mais descontraída, mas não menos reivindicativa. São os jovens “caras pintadas” que passariam a prestigiar o chamado “Rock Brasileiro”.
– 2 de julho: “A canção latino-americana deste início de século”
Os compositores e cantores latino-americanos também mudariam seu discurso. As ditaduras foram vencidas. Mesmo assim, as canções nesses países (no Brasil também) continuam, ainda que sutilmente, abordando temas sócio-políticos, tal como se espera de uma sociedade democrática.
IV. Docente
As aulas serão ministradas por Waldenyr Caldas, professor da ECA – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – USP, onde leciona as disciplinas Realidade Sociopolítica Brasileira e Teoria da Comunicação. É autor dos livros “A cultura político-musical brasileira” (2005) e “A Cultura da Juventude: de 1950 a 1970” (2008), entre outros, além de ensaios sociológicos sobre a cultura brasileira.
V. Áreas de interesse
Trata-se de um curso destinado aos estudantes de ciências humanas, sociais e políticas, músicos, acadêmicos, historiadores e aos cidadãos interessados em melhor conhecer a realidade sociopolítica e cultural do nosso continente.
VI. Serviço
Local: Auditório do Anexo dos Congressistas / CBEAL – Memorial da América Latina
Horário: aos sábados pela manhã, das 9 às 12 horas
Datas: de 19 de março a 2 de julho de 2011 (14 aulas – Carga horária: 42 horas-aula)
Inscrições: no valor de R$ 250,00 (taxa única). Vagas limitadas. Serão concedidos certificados aos alunos com presença igual ou superior a 75% da carga horária. Caso não se atinja o número mínimo das inscrições necessárias para a sua realização, o curso poderá ser cancelado (nesse caso, a taxa de inscrição será devolvida integralmente).
Horário e local das inscrições: de segunda à sexta, das 10 às 18 horas, no Anexo dos Congressistas / CBEAL – Memorial da América Latina (Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664 – Metrô Barra Funda – São Paulo)
VII . Informações
E-mail: cursos@memorial.sp.gov.br
Tel.: (11) 3823-4780