/governosp
Idealizador do Festlatino, ex-secretário estadual de cultural e autor de filmes antológicos, como o “Homem que virou suco”, João Batista de Andrade deu o tom, em rápida entrevista um pouco antes da abertura: “O cinema latino-americano faz falta ao Brasil, mas como enfrentar essa contradição: uma cinematografia criativa que se renova, mas não encontra espaço para ser exibida nem em seu próprio país?”. Para não ficar só reclamando do governo, o Festlatino promove exibição de filmes contemporâneos que certamente não vão ser exibidos no Brasil, encontros, debates e oficinas nos quais esse tema é enfrentado. E, neste ano, uma novidade, anunciada com ânimo por Andrade: “Programamos uma mostra de filmes de escola. A gente está buscando o cineasta contemporâneo na origem, aqueles que vão ser os cineastas contemporâneos no ano que vem”, certamente para ajudá-los a pensar o grande paradoxo do cinema latino-americano.
Como idealizador do Festlatino, como o senhor vê a terceira edição?
Estou vendo com alegria que tem bastante público na abertura. De fato, é um sucesso de público e de mídia. E de polêmica, também. O Festlatino ficou marcado como um ponto de encontro da modernidade, da contemporaneidade do cinema latino-americano e da polêmica, do paradoxo. Um espaço para se debater a contradição entre essa modernidade e a realidade do mercado ocupado.
Mas essa era a discussão do primeiro festival também.
Sim, era do primeiro e continua sendo a atual, porque a realidade é a mesma, não mudou. No ano passado eu também levantei essa questão: depois dos anos heróicos da globalização, houve uma globalização perversa. Isto é, o cinema global cata um ou outro cineasta, um ou outro técnico, um ou outro ator dos países latino-americanos, que passam a ter prestígio internacional, o que é muito bom. Mas isso não resolve em nada a questão dos cinemas nacionais.
Eles não devolvem nada…
É, não volta para nós. O ano passado, no 2º. Festlatino, citei o encontro dos cineastas mexicanos na Espanha (os mexicanos tinham ido muito bem no Oscar). Perguntaram-lhes exatamente isso… “Bom, nós aparecemos”, eles disseram, “mas quer saber como fica o cinema mexicano. Permanece com 95% de ocupação pelo cinema norte-americano!”Como a indústria cinematográfica pode crescer com uma ocupação como essa, ocupação que envolve o sistema exibidor, o sistema distribuidor e a inércia governamental?
Mas, apesar disso há uma produção interessante na região.
É uma produção importante, que precisa continuar, mas a gente vai para um beco, que é o de cinema de arte – não tem outro lugar para exibir nossos filmes. O México tem quase 15 mil salas, o Brasil tem menos de 3 mil salas. Por quê? Por que essa ocupação americana? Ela manda os filmes para cá para quê? Para se comunicar com o povo brasileiro ou para ganhar dinheiro? Qual o interesse em passar na periferia, se lá o ingresso não pode ser tão caro. Tem cidades ou bairros com 700 mil habitantes e sem um cinema. É claro, eles cobram ingressos a 20, 30 reais. A tendência é acabar os cinemas foram dos shoppings.
Deve ser difícil ser cineasta nestas condições.
90% das cidades não tem cinema, 90% dos bairros não tem cinema, 90% da população não vai ao cinema. O que isso resulta para o cinema brasileiro? Um horror. Você vai fazer um filme para a população brasileira, você sabe que só pegará 10% da população. Desses 10%, o cinema norte-americana domina mais de 90%. É um quadro de horror.
Como mudar esse quadro?
Para existir o cinema latino-americano tem que ter um projeto de superação dessa questão. É o que aconteceu na Europa, como na Franca, que hoje tem 50% do mercado. Jogaram investimento brutal, a longo prazo, criaram cadeias de cinema na França inteira, para recuperar os cinemas populares, levaram as televisões a investirem no cinema. Foram criando uma série de medidas para impedir esse absurdo. No Brasil e na América Latina faltam política. O que acontece? Os cineatas brigam, brigam, brigam e os governos latino-americanos dão dinheiro para fazer filmes. Que não são mostrados…
Por Eduardo Rascov
Foto: Fábio Pagan