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O lugar onde os hemisférios se encontram

Mitad del Mundo, Equador
Créditos: Freepik
O ponto em que a Terra se parte em silêncio, revelando a beleza única de um país que une culturas e histórias de tempos milenares
Por Luigi Silvestre e Lucas Peçanha
O Equador é um daqueles lugares em que a geografia e a história se entrelaçam de forma tão intensa que fica difícil saber onde termina a ciência e começa o encantamento. É um dos menores países da América do Sul, com cerca de 256 mil km², mas guarda uma riqueza natural e cultural que desafia qualquer medida.
Não à toa, abriga as Ilhas Galápagos, arquipélago que inspirou Charles Darwin a formular a teoria da evolução e que até hoje é um laboratório vivo de biodiversidade. Localizado entre a Colômbia e o Peru, o Equador é também um dos poucos países sul-americanos que não fazem fronteira com o Brasil. Talvez por isso, siga sendo um território a ser descoberto por boa parte dos brasileiros.
Mas é na linha invisível que o país encontra sua marca mais simbólica. Cortado pelo paralelo 0°, o Equador leva no nome uma origem latina — aequare, “igualar” —, que reflete sua posição no mapa: dividir o mundo em dois hemisférios exatos. Quando conquistou sua independência, no início do século 19, o país adotou esse nome como afirmação geográfica e também política. Seria, então, o território da igualdade. Um novo começo.
Quito e ocaminho do sol
A capital Quito, encravada a quase 3 mil metros de altitude, é uma das mais altas do planeta e carrega consigo um centro histórico muito bem preservado. Tombada como Patrimônio Mundial pela Unesco em 1978, a cidade fascina por suas igrejas barrocas, edifícios coloniais e ruas que parecem ter parado no tempo. Mas é ao norte da cidade que está um de seus pontos mais visitados: o complexo Mitad del Mundo, onde os hemisférios se encontram, ao menos simbolicamente.
Ali, foi erguido no século 20 um monumento inspirado nos cálculos da Missão Geodésica Francesa, do século 18. Com o avanço do GPS, no entanto, foi descoberto que a linha verdadeira do Equador está 240 metros ao norte dali, onde hoje funciona o Museu Intiñan, o qual celebra esse cruzamento de saberes. Seu nome, em quíchua, significa “Caminho do Sol”, e o que se vive ali vai muito além de um ponto geográfico. No espaço, visitantes participam de experiências interativas que testam os sentidos e despertam a curiosidade: a rotação da água que muda de direção conforme o hemisfério, a dificuldade de manter o equilíbrio exatamente sobre a linha imaginária. São experimentos simples, mas impactantes, ainda que o efeito Coriolis, responsável por essas diferenças, seja sutil demais para ser percebido em pequena escala. O que conta é a experiência.
E há também o resgate de saberes ancestrais. A região do museu foi habitada pelos Quitus, povo indígena que já observava o céu e media o tempo a partir das sombras. Sem nenhum satélite ou bússola, eles entenderam que o sol nascia e se punha de forma quase igual ao longo do ano. E disso tiraram calendários agrícolas e práticas espirituais que continuam vivos na memória do lugar.

Quito, capital do Equador
Créditos: Pexels
Mitad del Mundo
Se o Museu Intiñan oferece a precisão geográfica, o Monumento Mitad del Mundo entrega o espetáculo. Ali, o visitante mergulha em um complexo turístico que valoriza as culturas indígenas, as artes locais e o orgulho de estar “no meio do mundo”. Um dos pontos altos é o Museu Etnográfico, que apresenta o cotidiano e os rituais de povos amazônicos como os Shuar.
Entre as tradições mais impactantes está a tsantsa, ritual de redução de cabeças. Mais do que uma prática exótica, trata-se de uma expressão de espiritualidade e proteção: capturar o espírito do inimigo derrotado era uma forma de preservar a comunidade e honrar os ancestrais. Assim como tantos elementos da cultura indígena, essa prática fala mais de cuidado do que de violência.
Do marco zero à travessia andina
A partir do monumento, se inicia uma viagem que corta o país de norte a sul. O chamado Corredor dos Vulcões acompanha a espinha dorsal da Cordilheira dos Andes e reúne gigantes como o Cotopaxi, um dos vulcões ativos mais altos do mundo, e o Chimborazo, que, por sua proximidade com o centro da Terra, é considerado o ponto mais distante do núcleo do planeta.
As paisagens se alternam entre vales verdes e picos nevados. Uma das experiências mais emocionantes é o passeio de trem pelo Nariz do Diabo, uma obra-prima da engenharia ferroviária, que supera desníveis de quase 500 metros em um trecho de apenas 12 km.
No sul, Cuenca encerra a travessia com charme colonial. Com suas ruas de paralelepípedo e casarios do século 19, a cidade é também o berço de um dos maiores símbolos equatorianos: o chapéu de palha toquilla, erroneamente chamado de “chapéu do Panamá”.
A confusão histórica se deu porque o acessório ganhou fama internacional nas obras do canal do Panamá, mas sua origem artesanal é 100% equatoriana. Na oficina da tradicional Homero Ortega, é possível acompanhar o processo de confecção. Um único chapéu pode levar meses para ser produzido, seguindo técnicas que passam de geração em geração. O resultado é uma peça leve, resistente e elegante, carregada de identidade e ancestralidade.
Depois de tudo isso, ao pisar na linha imaginária que divide o mundo em dois, o viajante percebe que está, na verdade, em um ponto de encontro. Geográfico, sim, mas também histórico, espiritual, cultural. O Equador é o começo de muitas coisas: de uma nova perspectiva sobre o continente, de uma imersão profunda em saberes antigos, de uma viagem que transforma.

Vista de Cotopaxi, um dos vulcões ativos, mais altos do mundo
Créditos: Pexels