ECONOMIA CRIATIVA

Muito além do cartão-postal

Entre festivais, sabores e tradições, o Memorial da América Latina fortalece o eixo da economia criativa

Por Airam Magalhães e Laura Krell

Fotos por Rafael Guirro

De longe, o conjunto arquitetônico assinado por Oscar Niemeyer chama atenção na paisagem da zona oeste paulistana. As curvas monumentais e o concreto branco que compõem o Memorial da América Latina, na Barra Funda, são um convite à contemplação. Mas é no cotidiano, longe do traço silencioso do arquiteto, que o complexo revela sua vocação mais latente: a de centro vivo de cultura, memória e identidade latino-americana.

Desde sua inauguração, há 36 anos, o Memorial tem sido palco de encontros que atravessam fronteiras geográficas e simbólicas. Ali se misturam vozes, sons, cores, sotaques e saberes que compõem a pluralidade do continente. Exposições, fóruns, feiras e festivais ocupam seus pavilhões e praças, transformando diversidade em força criativa. O que poucos percebem, no entanto, é que por trás desse intenso calendário de eventos, existe uma engrenagem que movimenta também a economia.

Mais do que um vetor de integração cultural, o Memorial tem se consolidado como plataforma de dinamização econômica. Um exemplo concreto é a atuação da Art Shine Eventos, parceira da Fundação Memorial há mais de cinco anos. Apenas em 2024, os eventos organizados pela produtora atraíram, em média, 80 mil pessoas por edição. A dimensão desses números vai além do público presente e acaba movimentando artistas independentes, pequenos empreendedores, técnicos, montadores, fornecedores e uma ampla cadeia de profissionais envolvidos em cada realização.

Festivais como o de Gastronomia Latina, que acontece anualmente no mês de aniversário do Memorial, sintetizam esse cruzamento entre experiência cultural e impacto socioeconômico. Com pratos típicos, apresentações de música e dança, o evento é, segundo Márcio Alvarez, CEO da Art Shine, uma oportunidade de reencontro com as raízes do continente: “O Festival virou um case no calendário. Além da ampla gastronomia, a cultura é fortemente apresentada através das apresentações e danças”, afirma.

Celebrar a América Latina, afinal, é reconhecer que ela não cabe em uma única definição. São ritmos afrocaribenhos, línguas indígenas, culinárias ancestrais e tradições andinas. Cada evento realizado no Memorial carrega esse mosaico vivo e exige mais do que um palco montado, pois, por trás de cada fim de semana de programação intensa, há dezenas, às vezes centenas de trabalhadores da chamada economia criativa, uma cadeia que integra cultura, trabalho e cidadania.

Os dados reforçam esse impacto. De acordo com os números oficiais divulgados pela Art Shine, em 2025, a Festa Junina do Memorial reuniu mais de 70 artistas e gerou cerca de 900 postos temporários de trabalho. Também beneficiou diretamente pequenos fornecedores, ambulantes e empreendedores locais.

Quando bem utilizado, o espaço público deixa de ser apenas cenário e se torna motor de desenvolvimento. Ganha o público, que acessa experiências culturais de forma gratuita ou acessível. Ganham os trabalhadores da cultura, que encontram ali oportunidades reais. Ganham os produtores, patrocinadores e parceiros, com visibilidade e engajamento. E ganha a cidade, que se vê refletida em sua pluralidade, criatividade e potência.

Em um país onde tantas estruturas culturais seguem subutilizadas ou abandonadas, o Memorial da América Latina reafirma que cultura não é gasto: é investimento que gera pertencimento.