Por João Carlos Corrêa
Minhas percepções sobre “Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho”
01/11/2024
“Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho” é um documentário que transcende a mera biografia para se tornar uma celebração da vida e obra de uma das maiores intérpretes da música popular brasileira. Dirigido por Pedro Bronz, o filme é uma viagem emocional que nos aproxima da figura carismática e talentosa de Beth Carvalho, revelando facetas pouco conhecidas de sua trajetória. O título do longa faz menção à música “Andança”, de Danilo Caymmi, Paulinho Tapajós e Edmundo Souto, que foi o primeiro grande sucesso gravado por Beth e deu nome ao primeiro LP da cantora, conquistando o 3º lugar no Festival Internacional da Canção, em 1968.
Desde o início, o documentário já nos impacta ao mostrar Beth Carvalho comandando o cameraman, na verdade seu motorista, para capturar um encontro mágico com o grande Mario Lago. Essa cena inicial estabelece o tom íntimo e pessoal que permeia todo o filme. Beth surge na tela como uma amiga que todos gostaríamos de ter conhecido, irradiando um carisma imenso que nos envolve e nos faz querer saber mais sobre sua história. A baixa qualidade técnica das imagens nos conduz da estranheza ao intimismo, pela maestria do trabalho do diretor.
A narrativa do documentário é construída com uma leveza que contrasta com a profundidade dos temas abordados. A transição de Beth Carvalho do universo elitista da Bossa Nova para a busca de inspiração nos morros é tratada com delicadeza, através de registros gravados por ela e sua equipe. A emoção de ouvir “Folhas Secas” em sua versão original com Nelson Cavaquinho é um dos muitos momentos impactantes do filme, que apresenta Beth como uma verdadeira pescadora de talentos. Ela foi responsável por trazer à tona grandes nomes da música brasileira, que, até então, eram relegados à margem social.
Um dos recursos estilísticos que muito chama a atenção no documentário é o uso de legendas em fundo preto, que nos permite imergir nas músicas em suas versões originais. Esse recurso é utilizado com maestria, especialmente quando acompanhadas de registro fotográfico, criando uma atmosfera de intimidade e nostalgia. A simplicidade na busca de músicas na fonte, com os compositores do morro e nos botecos das esquinas, é outro aspecto que enriquece a narrativa, como no lindo momento capturado em vídeo com os mestres Monarco e Manacéa gravando novas composições a céu aberto no morro.
A relação de Beth com Cartola é outro ponto alto do documentário. A sabedoria e simplicidade de Cartola, que orienta Beth a gravar “As Rosas Não Falam” em vez de “O Mundo é um Moinho”, revela a profundidade da conexão entre eles. Beth se tornou uma espécie de filha adotiva de Cartola e Dona Zica, e essa relação é retratada com carinho e respeito.
O documentário também destaca a faceta agregadora de Beth, que somava e multiplicava amizades, parcerias e sua própria arte. A relação com Dinho Sete Cordas e outros grandes parceiros é pontuada com leveza, assim como sua maternidade cantada e encantada, que, ao tempo em que pontua sua intimidade, também nos conduz a um momento histórico de divisão de águas para o samba no Brasil.
Em uma entrevista documentada, Beth responde com elegância à pergunta sobre o futuro do samba do morro e do fundo de quintal no Brasil, e se isso seria aceito na zona sul do Rio de Janeiro, afirmando que “não existe zona norte, zona sul ou subúrbio quando o assunto é samba.
Existe quem gosta e quem não gosta de samba.” Essa frase sintetiza a visã
o inclusiva e universal de Beth sobre a música. A faceta de filha do samba sai de cena e a madrinha do samba surge ao lado dos hoje consagrados Jorge Aragão, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, dentre tantos outros a quem ela abriu as portas dos estúdios de gravação.
O documentário ganha um viés político ao apresentar uma Beth que assume sua negritude e pontua questões importantes relativas às desigualdades de tratamento no meio musical. “Tem que ter um discurso político, senão não sou eu”, afirma Beth, destacando a necessidade de união entre os artistas brasileiros.
O momento de sua carreira de maior emoção, segundo a própria Beth, é quando sua vida e sua história se tornam samba enredo de uma escola campeã no grupo de acesso. No último ato do documentário, é impossível não se emocionar ao ver Beth, já debilitada fisicamente, mas com a alma gigante, cantando e encantando seu público, deitada e acompanhada por um coral de fãs apaixonados.
O recorte temporal para finalizar o documentário, com uma memória de Beth no Cacique de Ramos ao som de “O Show Tem Que Continuar”, é uma lição de como Beth Carvalho trouxe o samba do fundo de quintal para a sala de estar de todos os brasileiros. “Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho”, é mais do que um documentário, é uma celebração da vida, da música e do legado de uma das maiores artistas do Brasil.
Ficha Técnica
• Título Original: Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho
• Ano de Realização: 2022
• Direção: Pedro Bronz
• Roteiro: Pedro Bronz
• Direção de Fotografia: Pedro Bronz
• Produção: Pedro Bronz, Felipe Bronz, e Mariana Marinho
• Edição-Montagem: Pedro Bronz
• País de Produção: Brasil
• Meios de Distribuição: Cinema, TV, plataformas digitais (como Globoplay e Claro TV)
Sobre o Diretor: Pedro Bronz
Pedro Bronz é um cineasta brasileiro com uma carreira multifacetada, atuando como diretor, fotógrafo e montador. Formado em jornalismo pela PUC-Rio, Bronz trabalha com cinema desde 1993 e é um dos criadores da mostra O Incinerasta (2000) e da Mostra do Filme Livre (2002). Seu primeiro trabalho de destaque na montagem foi o documentário “Língua – Vidas em Português” (2002), de Victor Lopes. Ele estreou na direção com “Herbert de Perto” (2009), ao lado de Roberto Berliner, e dirigiu outros documentários notáveis como “A Farra do Circo” (2014) e “O Astronauta Tupy” (2017).
Em “Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho”, Pedro Bronz utiliza sua habilidade narrativa para criar uma obra íntima e abrangente, capturando a essência de Beth Carvalho e seu impacto na música brasileira. O diretor tinha uma relação próxima com Beth, quase como se fosse parte da família, o que lhe permitiu um acesso único ao material produzido pela própria artista. Quando a saúde de Beth começou a se deteriorar, Bronz teve a sensibilidade de reunir esse material e emprestar seu olhar para criar um documentário que é tanto um tributo quanto uma celebração de sua vida e legado.
Exposição “El Gran Camino Inca” Comemora Bicentenário da Consolidação da Libertação do Peru no Memorial da América Latina
11/10/2024
Em uma celebração que une história, cultura e diplomacia, destacando os 200 anos de consolidação da libertação do Peru e a importância das relações institucionais entre os países latino-americanos, a Fundação Memorial da América Latina, ao lado do Consulado Geral do Peru em São Paulo, inaugurou a exposição “El Gran Camino Inca”, que centra-se no Qhapaq Ñan, a monumental rede viária Inca que interligou vastas regiões do império Tahuantinsuyo desde o século XV – e que é usada até hoje.
Composta por 35 fotografias, a exposição oferece ao público uma visão detalhada do Qhapaq Ñan, permitindo apreciar sua complexidade e beleza. Esse sistema de caminhos não apenas conectou diferentes povos, mas também gerou uma dinâmica interativa de valores sociais, econômicos e culturais. O Ministério das Relações Exteriores do Peru, em colaboração com o Projeto Qhapaq Ñan – Sede Nacional, trabalha para preservar e divulgar essa história internacionalmente.
Importante destacar a sintonia que tenho com o pensamento do Dr. Pedro Machado Mastrobuono, presidente da Fundação Memorial da América Latina, que destacou, em sua declaração sobre a exposição, a missão do Memorial em integrar o continente, comparando o Qhapaq Ñan ao Peabiru, a rede de trilhas guarani. Nas palavras dele, “Agradecemos ao Ministério das Relações Exteriores do Peru a oportunidade de apresentar aos brasileiros o Grande Caminho Inca”, reforçando a importância da exposição para o fortalecimento das relações culturais entre os países.
Pude dar as boas-vindas a representantes do governo estadual, cônsules e autoridades culturais de São Paulo. O cônsul-geral do Peru em São Paulo, Sr. Luis Armando Monteagudo Pacheco, discursou sobre a relevância histórica e cultural desta obra de engenharia. “O Qhapaq Ñan é uma obra eterna pela sua dimensão, desenho de construção e tecnologia, facilitando a comunicação na América pré-colombiana”, afirmou. Também ressaltou que, em 2014, o caminho foi declarado Patrimônio Cultural Mundial pela UNESCO. Após o discurso, o Sr. Monteagudo
propôs um brinde, rompendo protocolos de forma amistosa, e declarou a exposição oficialmente aberta. O evento foi abrilhantado por uma apresentação da Tunantada, dança que encantou os convidados.
A exposição “El Gran Camino Inca” está aberta ao público de 4 de outubro a 3 de novembro, das 10h às 17h, de terça a sábado, no Salão Gabo da Fundação Memorial da América Latina. Esta é uma oportunidade única para os visitantes explorarem a rica herança cultural do Peru e compreenderem a importância histórica do Qhapaq Ñan. Acredito que a exposição não celebra apenas um marco significativo na história do Peru, mas também reforça os laços culturais e históricos que unem os países da América Latina, promovendo um intercâmbio cultural que enriquece a todos.