Hidehiko Yuzaki, governador da província de Hiroshima, e João Batista de Andrade, presidente da Fundação Memorial da América Latina
Um libelo contra a bomba atômica. Uma confraternização pela paz mundial. Um brado forte para que nunca mais se repita a experiência de horror absoluto. Assim foi a abertura da exposição “Pela paz, 70 anos da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki”, que reuniu autoridades japonesas e brasileiras na manhã de sábado, 24 de outubro, na biblioteca do Memorial. Lá estiveram, entre outros, o governador da província de Hiroshima, Yasuyuki Hirasaki, bem como Kazumi Matsui, prefeito da cidade que recebeu o primeiro petardo nuclear da história, na ensolarada manhã de 6 de agosto de 1945.
Elzo Sigueta, João Batista de Andrade, Yasuyuki Hirasaki, Kazumi Matsui e Hidehiko Yuzaki desenlaçam a fita e inauguram oficialmente a exposição
A exposição é composta de painéis fotográficos que mostram as cidades de Hiroshima e Nagasaki antes das explosões nucleares, logo após e atualmente, quando estão totalmente reconstruídas. São imagens impactantes que nos dão uma vaga ideia da destruição e dor causada pelo armamento nuclear. À entrada há um monitor que passa incessantemente uma compilação de filmagens sobre o tema. São onze minutos que resumem os documentários de época “Hiroshima, a humanidade e o horror”, “Hiroshima, preces de uma mãe” e “Nagasaki – 3”. A sequência de imagens captadas pelos próprios sobreviventes e pelo exército americano conquistador é fortíssima – perto dela, os nove círculos do inferno descritos em verso por Dante Aligheri no fim da Idade Média são filmes da sessão da tarde.
Veja a mostra de filmes japoneses paralela à exposição
Se “a guerra é a continuação da política por outros meios”, como queria Clausewitz (Carl Phillip
O governador de Hiroshima, Hidehiko Yuzaki, e os alunos da Escola Estadual Cidade de Hiroshima, da zona leste de São Paulo
Gottlieb von Clausewitz, 1780 – 1831, militar e teórico da guerra), a bomba atômica é a ausência absoluta de continuação e o fim da política. Depois dela, não há mais nada, além de dor. Daí a oportunidade da exposição. “Que mais pessoas conheçam o horror”, proclama o prefeito de Hiroshima. “Um número maior de cidadãos deve saber que esse é um mal absoluto, que não pode existir no mundo. Lutamos pela abolição total das armas nucleares”, defendeu, ele que também é o presidente da Rede Prefeitos pela Paz, que enlaça mais de 6.800 cidades, de 161 países.
Mas qual exército vai abrir mão primeiro da arma nuclear? A empreitada de Kazumi Matsui é inglória, pois desde o fim da Segunda Guerra Mundial, não houve um ano sequer sem conflitos, bombardeios e massacres, como agora nas guerras assimétricas da Síria, Iraque, Líbia, Afeganistão, Nigéria e outras tantas, com centenas de milhares de vítimas.
Visitantes da exposição assistem vídeo sobre o lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, às 8h15.
Mas nem tudo está perdido. Segundo o governador da província de Hiroshima, Hidehiko Yuzaki, “essa exposição é uma experiência importante para aumentar o entendimento mútuo em prol do desarmamento nuclear. Estamos mandando uma mensagem ao mundo” , disse, “essa é a missão do povo japonês. A covardia da bomba foi devastadora, mas o japonês é um povo forte, que logo se recupera e vem mostrar ao mundo que isso não pode acontecer de novo”.
Sim, “estamos com os olhos e a esperança voltados para o futuro”, complementou João Batista de Andrade, presidente da Fundação Memorial, “e o futuro agora é aqui, na nossa América Latina, no nosso Brasil, na nossa São Paulo”. O Memorial da América Latina é uma entidade aberta aos valores maiores da cultura universal. “Quanto de cultura, de humanismo, de exemplo de coragem os imigrantes japoneses não deixaram para países como o Brasil, que tiveram o privilégio de recebe-los, tratando-os como irmãos”. O país, aliás, comemora 120 do tratado de cooperação e amizade com o Japão.
A cerimônia de abertura da exposição contou ainda com cerca de cem alunos da Escola Estadual Cidade de Hiroshima, que fica na Zona Leste de São Paulo, perto do Parque do Carmos. Orientados pelo professor de artes, eles fizeram uma trança com mil tsurus e a entregaram aos nipônicos. Tradicionalmente no Japão essas dobraduras trazem sorte, felicidade. É uma forma de se desejar tudo de bom. Os representes da escola, Yanka e Luís, de 16 e 15 anos, estavam muito felizes por participarem do evento. “Espero que sirva para alguma coisa, que o mundo tenha menos guerra”, disse Yanka.
A delegação japonesa era constituída não só do prefeito e do governador de Hiroshima, como
Puxados pela passista de origem nipônica, japoneses caem no samba após a cerimônia na Associação Cultural Japonesa, no bairro da Liberdade. Foto: Eduardo Rascov
também de membros da assembleia legislativa e de outras autoridades locais. No dia seguinte, domingo, foi a vez de se comemorar os 60 anos da Associação Cultural Hiroshima do Brasil. No bairro da Liberdade, em São Paulo, houve uma grande confraternização entre imigrantes, descendentes e japoneses. No final, todos ocuparam mesas festivas e se prepararam para o almoço. Em certo momento, entram uns sambistas fazendo batucadas e dançarinas vestidas a cabrochas. E não é que havia uma japonesa na turma, que desinibida tirou para dançar seus patrícios. Que não se fizeram de rogados e caíram no samba. Serviu para descontrair depois de se celebrar um fato tão pesado. A lição que ficou é que, sim, há uma chance para a paz, e ela passa pela alegria.
Por Eduardo Rascov
Fotos Daniela Agostini