O impacto dos modelos universitários nos esforços de integração entre países da América Latina

Rita de Cássia Marques Lima de Castro*

Modelos universitários são formas de se constituir uma organização – por meio deles, define-se a missão da universidade, seu público-alvo, sua concepção de ensino, a ênfase e a estrutura organizacional. Esses modelos são, também, norteadores das políticas públicas e das leis que abordam a Educação e devem ser estudados por aqueles que desejam não somente compreender os rumos educacionais, mas também agir para que os objetivos primevos da educação possam ser atingidos. Vale lembrar, ainda, que os modelos vigentes são fruto de uma elaboração histórica; eles refletem as ideias que influenciaram o passado e se fazem presente na execução de políticas educacionais.

Considerando-se como ponto de partida histórico o século XVI, período das explorações ibéricas sobre a região latino americana, pesquisa bibliográfica sobre o tema aponta que quatro modelos clássicos impactaram a construção da educação na América Latina: o modelo inglês, o alemão, o francês e o norte-americano (para detalhes, recomenda-se ler: Drèze e Debelle (1983), Charle e Verger (1996), Wolff (1993).

Em sua essência, o modelo inglês, cujo maior expoente foi John Henry Cardeal Newman, concebe a universidade como uma associação permanente de sábios e estudantes, sendo essa universidade um lugar de ensino do saber universal. Compete à universidade conservar e transmitir conhecimentos, com ênfase no ensino e na ideia de universalidade do saber, com autonomia institucional. Seu público é composto por aqueles que reconhecemo valor da inteligência e de seu uso, fruto de reflexão.

No modelo alemão, que tem por maior expoente Wilhem Von Humboldt, a universidade é vista como uma comunidade associada de pesquisadores e de estudantes que têm por maior objetivo apreender a verdade. Logo, a universidade deve ser um centro de pesquisa científica, e essa pesquisa constitui a ênfase dada na escola de modelo alemão. Seu público é uma elite intelectual, no sentido de abarcar os que são, por vocação, considerados os melhores, os que irão construir o mundo por meio da pesquisa.

No modelo francês, cujo expoente maior é Napoleão Bonaparte, a universidade deve ser um local centralizado, orientado e vigiado pelo Estado, para que alcance o objetivo de fornecer instrução pública única. Logo, a universidade é uma organização que visa à conservação da ordem social por meio da difusão de uma doutrina comum. Neste modelo, o objetivo é prestar um serviço ao Estado e seu público é composto de todos e de uma minoria. “A todos deve ser dada a formação para o serviço ao Estado, a uma minoria está destinada a pesquisa necessária para manter a inovação” (CASTRO, 2013, p. 35).

No modelo norte-americano, a universidade é um centro de progresso, o qual tem por principal função aliar a pesquisa e a ciência, ou seja, a imaginação e a experiência, para que se possa, por meio da simbiose entre pesquisa e ensino, dar vida e aplicação aos conhecimentos produzidos na academia. Seu público também é uma elite ‘intelectual’, no sentido de buscar os que são criativos e conseguem associar, de forma produtiva e eficaz, a ciência com a pesquisa.

Na América Latina, grosso modo, passa-se, a partir do século XVI, pelo modelo francês de Napoleão (cuja influência maior vai até o início do século XIX), pelo alemão de Humboldt (preponderante no século XIX) e pelo modelo norte-americano (na metade do século XX). É importante destacar que todos eles receberam influências internas, regionais, que deram ao ‘modelo em estado primário’, isto é, tal e qual foi concebido em seu país de origem, matizes peculiares que os tornaram peculiares e, por que não dizer, híbridos.

Pode-se identificar que o ensino superior universitário mantém, nos modelos estudados e até os dias atuais, um caráter elitista – seja intelectual, seja econômico, a universidade não é o locus para todos. Esse caráter elitista não favorece a integração, principalmente porque as questões sociais e econômicas que historicamente são debatidas na América Latina apontam que essa elite se torna, na região, uma elite econômica, visto que as desigualdades de acesso a um ensino ‘de ponta’ limitam grandemente a participação da maioria da sociedade, tornando a elite intelectual uma cópia da elite econômica e reforçando o papel da educação como elemento diferenciador e capital simbólico (BOURDIEU, 1991).

É mister, pois, debater o papel da universidade e transformar esse debate em ação, por meio de políticas públicas que realmente tenham por objetivo favorecer a integração regional e a inclusão da sociedade no espaço universitário. A sociedade necessita da universidade para reduzir a desigualdade histórica e a integração entre países não é efetiva se não houver uma discussão profunda sobre essa questão da desigualdade. Integrar pressupõe juntar para crescer; equalizar para que se possa partir de alguma base comum que leve ao desenvolvimento. A educação superior, se vista com a concepção de modelo para o desenvolvimento, favorece a difusão e a universalidade do saber. Um modelo universitário, conquanto campo para a construção do debate salutar, do respeito à diferença e da busca da integração para somar e utilizar as diferenças em prol do crescimento e da visão etnorelativista, pode ser favorável à integração. Caso contrário, será um grande obstáculo à integração.

 

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1991.

CHARLE, Christophe; VERGER, Jaques. História das Universidades. (Historie des universités). Tradução de Elcio Fernandes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996.– (Universistas). 131 p.

DRÈZE; Jacques; DEBELLE Jean. Concepções da Universidade. (Conceptions de l’Université). Tradução de Francisco de Assis Garcia e Celina Fontenele Garcia. Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1983.

WOLFF, Robert Paul. O ideal da universidade. São Paulo: Editora da UNESP, 1993.

Sobre:

A professora Rita Castro ministrou a palestra “A Integração dos países constituintes do
por meio da educação superior universitária: perspectiva histórico-cultural” 
no curso Miradas sobre a América Latina: Primeiro ciclo sobre Educação e Cultura, oferecido pelo Centro Brasileiro de Estudos da América Latina (CBEAL), deste Memorial, e pelo Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina (Prolam-USP), no segundo semestre de 2018.

* Doutora em Ciências pelo no Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM/USP). Professora na Universidade de Mogi das Cruzes – Campus Villa-Lobos (SP); pesquisadora no CORS (FEA-USP), onde realizou pesquisa de pós-doutorado entre 2015-2017, e no NESPI-USP; avaliadora do Sistema Basis – MEC. Contato: ritalimadecastro@gmail.comritalimadecastro@usp.br

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