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Cônsul-geral e presidente do Memorial anunciam para o ano que vem a 1ª Semana da Bolívia no Memorial
A comunidade boliviana em São Paulo comemorou a Independência de seu país no Memorial da América Latina, em festa do início da manhã ao fim da tarde do ensolarado domingo, 6 de agosto de 2006. Há aproximadamente 50 anos chegaram os primeiros bolivianos a São Paulo; passaram muitas dificuldades, mas foram se adaptando. O mesmo se deu com as levas recentes de imigrantes. Hoje são cerca de 200 mil, contando seus descendentes. Desses, pelo menos 15 mil participaram do evento ao longo do dia no Memorial, que contou com o apoio do consulado da Bolívia. Bandas de música, grupos de dança, fantasias tradicionais, comida típica, missa católica, discursos e explanações didáticos sobre as culturas pré-colombianas compuseram o cardápio festivo.
Fernando Leça, presidente do Memorial e anfitrião da festa, saudou os bolivianos com entusiasmo: “Ficamos muito felizes em ver tantos bolivianos ocupando o Memorial. Vocês contam com todo o nosso apoio. Fiquem à vontade, pois a casa é de vocês, como é de todos os latino-americanos. Viva a Bolívia!”. Três dias antes ele havia recebido o cônsul-geral boliviano, Jaime P. Valdivia Almanza, para um café-da-manhã de trabalho, durante o qual lançou a idéia do Memorial e o Consulado, em parceria com órgãos governamentais e institutos independentes dos dois países, organizarem uma semana especialmente dedicada à Bolívia.
O cônsul-geral não perdeu tempo e no auge da festa proclamou: “Está lançada a pedra fundamental da Semana Patriótica e Cultural Boliviana, que será organizada no ‘Seis de agosto’ do ano que vem. Por meio deste ato simbólico, conclamo a todos os irmãos bolivianos residentes em São Paulo a colaborar desde já”. Foi aplaudido efusivamente.
O conceito da Semana Boliviana é trazer o que há de melhor atualmente no campo das artes plásticas, literatura, música e dança contemporânea da Bolívia. Também será organizado um seminário para discutir as relações Brasil/Bolívia e uma “roda de negócios” que envolva empreendedores dos dois países. A idéia tanto de Leça quanto de Almanza é convidar o próprio presidente boliviano Evo Morales para abrir a Semana.
O discurso do cônsul-geral teve forte teor político, em apoio ao primeiro índio a chegar à presidência, “um índio puro, que vai acabar com a corrupção”. Almanza lembrou que neste momento está sendo instalada uma Assembléia Constituinte na Bolívia, “que deve dar ao imigrante o direito ao voto”. Por último, antes de sair a dançar Cueca, com a vice-cônsul Érica Farfan, incentivou os imigrantes clandestinos a aproveitar a anistia oferecida pelo governo brasileiro e legalizar a situação no país. O prazo vai até 12 de setembro.
Além da festa no Memorial, os bolivianos também comemoraram na Praça Kantuta, seu reduto tradicional na Zona Leste. Lá, além do desfile de grupos folclóricos, foi inaugurado um Altar à Virgem de Copacabana. Também foram entregues aos imigrantes um posto de saúde e um centro para crianças.
Carnaval
Para o boliviano, o “Seis de agosto” não é apenas o dia em que se comemora a Independência, mas é também a época do carnaval, em que o encanto e os mistérios das celebrações chamadas Diabladas e Morenadas mostram toda a sua força. É como se o Sete de Setembro e o Carnaval brasileiro coincidissem. “Nos preparamos o ano inteiro para hoje”, contou a bela Cátia, que trajava uma figura mitológica de saias curta chamada “Tchina”. Aos 28 anos, ela estuda fotografia. “Nasci no Brasil de pai e mãe bolivianos. Adoro essa festa no Memorial – é a 8ª vez que desfilo aqui”.
Com origens diferentes, as Diabladas e as Morenadas foram se assemelhando, tanto na música quanto na forma de se organizar e se apresentar. Reginaldo tem 27 anos e trabalha como ourives em São Paulo. Filho de bolivianos, ele também nasceu aqui. O personagem por ele encarnado chama-se “Achache”. Traja uma fantasia bem colorida e com bordados elaborados. Sua máscara inclui longas barbas. É uma espécie de destaque no desfile. “A gente se divide em alas. Há as alas das novas, que são essas meninas com saias curtas, a ala das senhoras, a dos morenos e a das figuras, como eu”.
As “senhoras” por ele mencionadas se vestem como “cholas” e os “morenos” de roupas escuras, gravatas e sobretudos negros. Ao longo do anos, eles fazem festas preparatórias para arrecadar fundos no Pólo Cultural do Nordestino, na Zona Norte de São Paulo. Jyonni é um jovem boliviano há apenas 2 anos no Brasil. Trabalha em marketing. Ele informa que “todas as roupas vêm da Bolívia” e não devem custar barato.
A Bolívia é um país andino, com forte presença das culturas Quíchua e Aymara, mas há também o guarani da região amazônica e do Chaco e os negros, descendentes de escravos que foram levados principalmente para trabalhar nas minas da região de Potosi. Todas essas características podiam ser vistas no “Seis de Agosto” do Memorial. A fantasia de gorila que o boliviano Herbert estava trajando por certo o fazia sentir um calorão, mas ele estava adorando: “Quero apenas dançar, me divertir e lembrar que sou boliviano”. Sentimento parecido ao de Orlando, dentro de uma roupa de urso.
A Banda Milênio Ouro Bolívia, da Fraternidad Morenada Llaitaymanta, que veio da região da Bolívia Central, puxava o desfile de figuras mascaradas que lembravam o nosso “Preto Véio” do Umbanda. As cholas, com suas várias camadas de saias rendadas, as crianças fantasiadas, os Diablos e os Anjos, os Tios, os seres mitológicos que resultaram da mistura de várias tradições, as matracas de espantar maus espíritos, a alegria algo recatada e melancólica estampada nos rostos dos imigrantes – tudo isso fez Memorial viver um dia marcante e cumprir plenamente sua função.
Fotos: Ângela Barbour e Eduardo Rascov