O que um torneio de golfe, um ganhador do prêmio Nobel e uma associação de empresários mexicanos tem a ver com uma escola pública da periferia de São Paulo? Quem for à Escola Estadual México, situada em Cidade Ademar, bairro da zona sul de São Paulo, vai descobrir. O visitante encontrará em uma parede da escola uma carta enviada aos alunos pelo prêmio Nobel de Química Mário Molina. Ele é um cientista mexicano – professor titular do Instituto Tecnológico de Massachussets (MIT) – pioneiro na investigação dos efeitos daninhos do gás CFC à camada de ozônio. A mensagem aos alunos da escola em Cidade Ademar do professor Mário Molina está solenemente fixada no laboratório de Física, Química e Biologia da escola.
O laboratório foi totalmente renovado e equipado com o que há de melhor nesta área da educação científica. A verba para a reforma veio dos participantes da Copa México de Golfe, competição organizada no Brasil pelo Conselho de Promoção Turística mexicano. Dela participaram empresários mexicanos e brasileiros, que tiveram que pagar para se inscrever. Esses homens de negócios são ligados à Asemexbra – Associação Empresarial Mexicana em Brasil.
A ação de apoio à escola pública brasileira é uma iniciativa do Consulado Mexicano em São Paulo. Ele articula doações à escola que leva o nome de seu país. Já foram doados computadores e uniformes escolares. Outros consulados latino-americanos também ajudam, de várias formas, as escolas que têm o nome de seus países ou de personalidades compatriotas como Simón Bolívar ou Jorge Luis Borges. O consulado do Chile, por exemplo, também oferece um consistente reforço à Escola Estadual República do Chile.
Batizar novas escolas com o nome de países latino-americanos é uma prática antiga do governo do estado de São Paulo, mas foi reforçada nos últimos anos sob os auspícios da Fundação Memorial da América Latina. Em torno do Memorial justamente surgiu o Grulac – Grupo de Cônsules da América Latina e do Caribe, com a missão de apoiar as escolas públicas descritas acima em várias frentes, mas especialmente no ensino da língua espanhola. Como se sabe, desde agosto de 2010 é obrigatório a toda rede de ensino médio oferecer curso de espanhol, embora não seja obrigatório para o aluno se matricular na disciplina.
A decisão de como usar o montante doado pelos jogadores de golfe foi coletiva. Era preciso escolher a prioridade. Conforme explica o vice-diretor da escola, professor José Tadeu Campos Ribeiro, “reunimos os professores, membros da Associação de Pais e Mestres, os pais dos alunos e representantes dos estudantes para discutir o assunto. Decidimos que o valor seria usado para renovar totalmente o laboratório de ciências”. Como nos outros anos, a escola não mexeu com o dinheiro diretamente. “Mandamos uma lista com o que queríamos e a Asemexbra tratou de providenciar”.
O professor Campos Ribeiro esclarece que “esse tipo de ajuda é sempre benvindo, embora atualmente não mais falte verba para as necessidades da escola”. Segundo ele, o movimento de apoio liderado pelo Consulado do México é uma intervenção direta na melhoria da qualidade de ensino. “Tudo que venha para diversificar os métodos de ensino – para a gente não ficar só no tradicional garganta, losa e giz – vem para melhorar”, garante o professor.
A inauguração do novo laboratório foi em 19 de março e contou com a apresentação do espetáculo “O náufrago da ciência divertida”, oferecido pela empresa Fun Science, do empresário mexicano Júlio César Martinez. Era dia de acolhimento dos pais na escola para apresentação da proposta pedagógica e disciplinar pra o ano. Nesta data também foi entregue à comunidade um mosaico em pastilhas de vidro, na entrada da escola, feito pelos alunos. Eles criaram uma águia estilizada junto das bandeiras do Brasil e do México. A obra é um projeto da disciplina Educação Artística e alude à parceria com a diplomacia mexicana.
Na abertura da festa, o coral da escola entoou os hinos nacionais do Brasil e do México e mais três músicas. Para os professores, alunos e pais presentes na solenidade foi emocionante o momento de descerramento da placa comemorativa pelas mãos do cônsul geral do México em São Paulo, Gerardo Transloheros. A comunidade pode ver, ali eternizado na frente dela, o nome do novo equipamento: Laboratório de Ciência Prof. Dr. Mario Molina.
O professor era um menino mexicano que gostava de estudar ciências. Ele completou sua formação nos EUA e iniciou carreira como pesquisador do Instituto Tecnológico de Massachussets, um centro de referência mundial. Preocupado com o estado de saúde do planeta, o professor Mário Molina demonstrou os perigos da emissão do CFC. Ficou evidente a relação entre o aumento do buraco da camada de ozônio e as questões ecológicas atuais.
A partir de seus estudos, se firmou um protocolo internacional que proibiu a fabricação de tal gás. Sempre envolvido na docência e em projetos de pesquisa, o professor Molina encontrou tempo para mandar os alunos da Escola Estadual México, de Cidade Ademar, São Paulo, as seguintes palavras (o texto foi traduzido do espanhol para o português pelo cônsul Oscar Cavarjal):
Cidade do México, Março de 2011.
Queridos estudantes,
Recebi, com surpresa e honra a carta da diretora Suely Maia com a notícia de que o laboratório de ciências da Escola Estadual México será batizado com o meu nome. Surpreso por saber que em um país tão distante geograficamente, mas tão próximo em afeição, existe uma escola que honra com seu nome o meu país e agora, com este amável gesto, a minha pessoa. Honra, porque eu como cientista e professor não acredito em estímulo maior do que o despertar de interesse pela ciência por crianças e jovens estudantes, com a esperança de que juntos possamos conquistar um futuro melhor.
Por isso, quero aproveitar para convida-los a entrar no fascinante mundo da biologia, química e física e, em geral, de todas as ciências que nos ajudam a descobrir os segredos mais íntimos da natureza. Com sorte descobrirão que conhecer a natureza é como conhecer um novo amigo, que sempre esteve ali, mas que nunca nos encorajamos a apertar as mãos. Como com qualquer bom amigo, quanto mais convivemos e o conhecemos, mas teremos sua confiança e respeito.
Com o passar dos anos, o conhecimento acerca da natureza me deu grandes satisfações. Vocês têm a incrível oportunidade de conhece-la mais de perto, como o apoio de seus professores e da Ciência. Aproveitem! Não vão se arrepender.
A vocês, os jovens, ficará a responsabilidade de tomar as medidas necessárias nesta luta em que se encontra o nosso planeta, para assim, proteger a natureza, prevenir a mudança do clima que nos ameaça e assegurar que avançamos em um caminho de desenvolvimento sustentável. Os convido a se prepararem muito bem para enfrentar estes grandes desafios com êxito.
Atenciosamente,
Mario Molina
Obs.: A foto 4 é do Cônsul Geral do México em São Paulo, José Tadeu Campos Ribeiro, professor de História e vice-diretor da Escola Estadual México, e Patrício Mendizábal, diretor da Asemexbra – Associação Empresarial Mexicana em Brasil.
Por Eduardo Rascov