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Em Setembro de 2005, a Produtora Cultural Artística Sênior da Fundação Memorial da América Latina, Ângela Barbour, viajou a Paris para participar do Ano Cultural do Brasil na França. Como emissária da Fundação, Ângela, além de expor seu trabalho plástico na Nuit Blanche (trajeto de Belleville a Bastille com performances e intervenções urbanas, que contou com a participação de diversos artistas brasileiros) e na Universidade Paris-8, foi conhecer a Galeria Tátil do Museu do Louvre, voltada para o público com deficiência visual, quando aproveitou para divulgar o trabalho realizado no Memorial com o livro Pavilhão da Criatividade, uma visão especial.
Uma visão especial é resultado do Projeto Céu Aberto, desenvolvido no Memorial desde 2001, que visa proporcionar acessibilidade plena aos portadores de necessidades especiais. O livro, editado em conjunto pela Fundação Memorial e o SENAI “Ítalo Bologna” de Itu – SP, oferece aos portadores de deficiência visual a oportunidade de “ver” o acervo do Pavilhão da Criatividade. Utilizando-se de caracteres ampliados, para pessoas de baixa visão, de textos em Braille e de 12 imagens táteis – que são figuras em relevo, perceptíveis ao toque com riqueza de detalhes, a obra é fruto de uma metodologia de tratamento de imagens para a produção do material tátil e resultado de pesquisa inédita por meio de equipamento e material especiais. A obra foi produzida em conjunto por Carlos Alexandre Campos, Sidnei da Silva e Maria Cristina Masagão, além da própria Ângela Barbour.
Memorial e Louvre
O catálogo e o projeto fizeram sucesso na passagem de Ângela Barbour por Paris. Em visita técnica ao Louvre, a produtora cultural percorreu a Galeria Tátil, espaço do museu que possui réplicas de esculturas expostas em seu acervo, que podem ser tocadas pelo público com deficiência visual. Nesta visita, o livro Uma visão especial foi doado ao Louvre, que o adotou como obra de arte em seu acervo artístico.
Toda a concepção da Galeria Tátil do museu é voltada ao público com deficiência visual. Corrimãos seguem por todo o percurso acompanhado por piso podotátil, a sinalização é em relevo e as reproduções das obras são feitas num material plástico acompanhados por uma placa com a ficha técnica em texto e em Braille, e um pedaço do material original da obra: bronze, metal, etc. além de treinamentos constantes de profissionais que atendem ao público com necessidades especiais. Ângela Barbour constatou que os mesmos procedimentos de ensino e adaptação de profissionais e público foram adotados pelo Memorial e pelo seu Projeto Céu Aberto.
A equipe do museu francês se interessou pelo trabalho feito no Memorial, o projeto brasileiro vai de encontro às pesquisas desenvolvidas pela instituição francesa. Deste encontro, além da troca de experiências, o Memorial recebeu o livro Les Élans du corps: le mouvement dans la sculpture (O élan dos corpos: o movimento na escultura), editado para ajudar os visitantes a descobrir a Galeria Tátil do museu. Catálogo em Braille, com imagens contornadas em relevo, a edição francesa segue a linha adotada pelo livro brasileiro: adaptação e inserção do público determinado a novos valores culturais.
Pavilhão da Criatividade – Uma visão especial
Com o concurso público que renovou o quadro de funcionários do Memorial, em 1999, a Fundação passou a contar com os serviços do advogado Carlos Alexandre Campos, portador de deficiência visual. Carlos foi convidado pela produtora cultural Ângela Barbour e pelo sociólogo Sidnei da Silva, coordenador do serviço de monitoria, a fazer uma visita às dependências da Fundação, especialmente ao Pavilhão, que reúne a maior coleção de arte popular latino-americana existente no Brasil. Ao que Carlos retrucou como poderia ver as peças e demais obras do Memorial?
Surgiu aí a questão: o Memorial estaria preparado para receber visitantes que não enxergam? Na visita, permitiu-se a Carlos que tocasse nas obras. Com o toque, sua percepção sensorial, a idéia de volume e textura, Carlos “viu” à sua maneira o que muitos outros como ele estavam perdendo por falta de oportunidade ou informação.
Da experiência sensorial de Carlos com as obras do Pavilhão, revelou-se a necessidade de trabalhar formas de inserção deste público à cultura e às artes em geral. Criou-se então o projeto Céu Aberto, com o apoio entusiasmado de Cristina Masagão, chefe do gabinete da presidência. A idéia era desenvolver atividades com os portadores de deficiências em geral, entre elas, um catálogo para quem enxerga com as mãos. Em um processo de tentativa e erro, através de novas técnicas de impressão em relevo – descobertas no interior de São Paulo, no SENAI de Itu, a comissão formada por Cristina Masagão, Sidnei da Silva, Ângela Barbour e Carlos Alexandre Campos chegou a um ponto de equilíbrio entre o visual e o tátil.
“A partir da seleção de textos e de algumas obras do Pavilhão, procurou-se ressaltar a beleza e a diversidade da cultura dos países da América Latina. Para o deficiente visual, foram especialmente escolhidas as obras que tivessem tamanho e textura adequados para o manuseio, levando em consideração a origem dos objetos, suas histórias, mitos e as festas que representam. Posteriormente, por meio da fotografia e dos processos digital e manual, foi feita a transcriação das imagens dos objetos, de modo que pudessem apresentar, por meio do tato, uma idéia aproximada daquilo a que se referem” descrevem os autores na introdução do livro.Com um ensaio fotográfico que destacava pontos e traços variados, testando diversos ângulos e modos de iluminação, chegava-se à matriz de cada objeto. Que foram transpostas para um material especial, o swell-paper, papel com revestimento termo-sensível que, aquecido, faz com que as linhas e áreas escuras de determinada figura destaquem-se em diferentes relevos.
Carlos Alexandre define que “ao se tocar as imagens e mergulhar na leitura dos textos, pode-se viajar de maneira prazerosa por um rico universo da cultura”. Pavilhão da Criatividade – Uma visão especial é experiência pioneira. O catálogo voltado ao público deficiente visual é um pontapé inicial para iniciativas do gênero. Ele pode ser conferido, bem como seu similar francês, na Biblioteca Latino-americana Victor Civita, deste Memorial.