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Bate-papo com diretor de cinema é sempre bom. Não importa qual o filme, se a crítica amou ou detestou, se ainda nem foi lançado… Quando alguns diretores se juntam para debater sua arte, não tem cinéfilo que não saia com um sorriso no rosto ao final do encontro. Nesta hora percebemos que longe do pedestal, todo autor também tem seus medos, expectativas, frustrações e, claro, boas histórias pra contar.
Na tarde do último dia 15, não foi diferente; mediado por Dora Mourão, os diretores Marcelo Gomes de “Cinema, aspirinas e urubus” e “Viajo porque preciso…”, Felipe Bragança de “A fuga da mulher-gorila” e a costarriquenha Paz Fábrega de “Água fria do mar” – filme que abriu este 5° Festilatino – nos brindaram com “causos”, notas de produção e curiosidades de seus filmes; vislumbraram futuros projetos e, quando preciso, falaram sério sobre políticas públicas, problemas de distribuição e as dificuldades que circundam seu fazer cinematográfico.
Felipe Bragança contou um pouco da trajetória de seu primeiro longa “A fuga da mulher-gorila”. Com uma equipe pequena, o “road-movie musical” foi rodado em 8 dias durante uma viagem de Kombi, em que, a cada parada ou no trajeto, se encenavam o que por meses Felipe ensaiara. O filme conta a história de duas irmãs atravessando as estradas do Rio de Janeiro para apresentar um espetáculo circense.
“A fuga da mulher-gorila” venceu o Festival de Tiradentes ano passado e é o 1° de uma trilogia, que conta ainda com “Alegria”, lançado na Quinzena dos Realizadores de Cannes deste ano e “Desassossego”, filme-coletivo cujo título é extraído do “Livro do desassossego” de Fernando Pessoa. Ainda que distintos, os três filmes são uma tentativa de representar a juventude brasileira de hoje; falam de rebeldia, entusiasmo, construção de identidade e, no limite, sobre o próprio cinema e seus processos criativos. Uma forma, segundo Bragança, de se livrar das idéias vãs de melancolia e nostalgia que entraram na moda nos últimos anos e abraçar novas temáticas. A protagonista de “Alegria”, por exemplo, tem apenas 16 anos.
“Desassossego”, assinado por vários diretores, fechará a trilogia. Nascido de uma carta enviada por Felipe – com questões acerca da adolescência – a cineastas que conheceu em festivais Brasil afora; o filme se constituirá de fragmentos, que ao fim, serão montados por sua parceira Marina Meliande, co-diretora de “A fuga da mulher-gorila”. O filme será distribuído via carta para 2010 pessoas e, como parte do projeto Rumos do Itaú Cultural, será exibido ao público no dia 19 de setembro.
A costarriquenha Paz Fábrega se ateve às dificuldades e experiências para a produção de seu premiado 1° longa-metragem “Água fria do mar”. Com co-produção europeia, Paz ressaltou a dificuldade em levantar capital, segundo a diretora, o cinema costarriquenho ainda se prende aos velhos filmes “comerciais” financiados por famílias abonadas ou produtoras publicitárias. Ao todo, foram três anos de espera para o início das filmagens, entre idas e vindas de financiadores.
Com uma equipe de 30 pessoas e trabalhando com atores não-profissionais, Paz afirmou sua busca da naturalidade de atuações, para tanto, convidou várias famílias de um bairro afastado para servirem como figurantes durante as filmagens na praia. Em troca de comida e hospedagem, mulheres e crianças permitiram a captura de cenas mais espontâneas. “Alguns meninos nunca tinham visto o mar” confessa a jovem realizadora.
Em conversa com diretores variados, Paz chegou à conclusão que cada vez mais se busca um cinema artesanal, no sentido da facilidade e naturalidade da produção. Com menos pessoas nas equipes de filmagem, a utilização de câmeras pequenas, etc. abre-se a possibilidade para o diretor de novas discussões acerca das reais relações intra-sociais e, por que não, do próprio fazer cinematográfico.
Paz ainda relatou um problema que pode muito bem ser conferido no Brasil: O cinema na Costa Rica não é visto como cultura. Para ela, é preciso criar políticas ou formas de incentivo que permitam o acesso a esta linguagem, ou seja, é vital para qualquer cinema a formação de platéias. A cultura deve ser vista como essencial, uma necessidade vital que alimente o público.
Ao fim, com uma sinceridade única, a diretora desmistificou o ideário que envolve seu filme. Ainda que ganhador de prêmios internacionais, “Água fria do mar” está longe de ser o responsável pela “retomada” ou “renovação” do cinema costarriquenho, embora haja um envoltório promocional – principalmente em festivais – que o incutem desta responsabilidade. Na verdade, confessa Fábrega, o filme nem estreou em seu país, por conta de problemas com a cópia original. Entretanto, o que ela pode sim garantir é o fato de cada vez mais jovens estão estudando e fazendo cinema. Talvez uma nova “buena onda” esteja surgindo neste pequeno paraíso da América Central, é torcer para que o excelente ‘Água fria do mar” não seja apenas uma marola neste cenário.
Coube a Marcelo Gomes encerrar o bate-papo. Compartilhando histórias de seus filmes “Cinema, Aspirinas e Urubus” e “Viajo porque preciso, volto porque te amo”, e também de sua próxima realização que, segundo suas palavras, será um filme mais urbano que os anteriores. Para tal, Marcelo retomou a fala de Paz sobre as dificuldades com seu 1° filme, e confessou: em pré-produção para seu 3° longa, está com mais problemas do que imaginaria. Exemplifica com o processo de seleção do elenco. No processo de escolha de atores, se deparou com um empecilho novo; agora, por ser um diretor famoso, o teste de elenco se tornou um caos, os atores têm medo de seu status. A relação diretor/ator se modificou completamente e, brinca Marcelo, não é raro os desconhecidos pretendentes terem síncopes nervosas só pelo fato de estarem à sua frente.
Para piorar, com um intervalo de apenas 5 anos entre as produções, Marcelo se deparou com novas dificuldades causadas pelos avanços tecnológicos deste período, como o uso de programas instantâneos para a concepção do storyboard, por exemplo, ou o acesso a vídeos-currículos de atores via Youtube. O modo de produção é bem diferente agora e Marcelo precisa se reinventar como diretor. Ou seja, brinca ele com Paz Fábrega, seu 3° filme está sendo bem mais traumático que o 1°!
Marcelo lembrou o dilema de qualquer diretor durante a concepção de sua obra, se cinema é indústria que visa lucro e precisa ser rentável, qual deve ser sua posição enquanto criador? Descrevendo seus filmes como instigadores da memória e da imaginação, admitiu que não faz concessões na busca por bilheteira, mas que estabelece sim uma comunicação com o público, ainda que este seja reduzido. É por isso que, acredita, os diretores de cinema devem se abrir a novas formas de promoção para suas obras, devem inventar estratégias e novos caminhos de divulgação de seus filmes. Talvez, por que não, aprender um pouco mais com vídeo-artistas e, no limite, não deixar de lado todo aspecto circense que envolve a divulgação do filme.
Em tempo, Marcelo é o “professor” responsável pela oficina de Direção e Criação Cinematográfica do Festival e concluiu sua fala descrevendo um pouco desta experiência. Convidado pela organização, não teve dúvida, aceitou de pronto o convite, para em seguida indagar-se acerca da responsabilidade que assumiu. Sem nunca ter dado uma aula antes, inseguro com sua (falta de) didática, Marcelo recorreu ao que sabe como poucos, sua própria trajetória como cineasta. Relatando seus medos e paixões, sua forma de criar e dirigir, Marcelo dissecou com os alunos seu primeiro longa e está construindo com eles um imaginário para sua próxima produção. Seus alunos, com certeza, não se arrependem desta escolha, a oficina vai bem, obrigado.
por Adriano Capelo
fotos Marcos Finotti