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O cineasta argentino Fernando Birri, 81, estrela do 1º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, foi também o professor de alunos que iam de Thomas Farkas a jovens estudantes e interessados em cinema em geral. A aula magna com o cineasta, ocorrida na manhã do dia 14 de julho, mostrou que continua sendo o grande professor de cinema que deu aulas em universidades na Argentina, na Venezuela e em Cuba, na escola que ele mesmo criou.
Foi sobre o caminho percorrido até chegar à fundação da Escola de Cinema e TV de San Antonio de los Baños, em Cuba, que ele falou. Uma volta ao passado sem sabor de nostalgia, mas com fins didáticos, para explicar o nascimento do que veio a ser o Novo Cinema Latino-Americano, do qual ele é um dos maiores expoentes, ao lado de Nelson Pereira dos Santos, Edmundo Aray, Miguel Littin, Glauber Rocha e muitos outros.
A volta ao passado, segundo Birri, serve para seguir adiante e para combater a perda de memória que assola os países latino-americanos. Ele considera que vivemos atualmente um período privilegiado no continente, em que superamos as ditaduras militares e traçamos um mapa inédito, com a eleição de governantes de esquerda em países como Brasil, Argentina, Venezuela e Bolívia. “Não tínhamos isso há 50 anos”, disse, sobre o cenário que os levou a criar uma nova cinematografia.
Os últimos 50 anos do cinema latino-americano estão bem retratados por Birri no seu filme mais recente, o “ZA 2005 – Lo viejo y lo nuevo”, exibido pela primeira vez no Brasil na abertura do Festival. No filme, que homenageia também os 20 anos de fundação da escola de cinema de Cuba, Birri apresenta uma colagem de filmes que marcaram época e seguem atuais, como “Vidas Secas”, de Nelson Pereira dos Santos, e “Memórias do Subdesenvolvimento”, do cubano Tomás Gutiérrez Alea; passando por filmes de realizadores de todo o continente.
Birri, que também é diretor de “Tire Dié” e “Che: Morte da Utopia?”, disse que a advertência que faz para olhos e orelhas no início de seu “ZA 2005” remete ao manifesto inicial, que marcou o início da experiência do Novo Cinema, nos anos 50. “O filme não dá explicação. Ele quer, entretanto, que o público a dê”. Em seu quarto manifesto – Birri escreveu cinco, no total – ele disse: “Eu já não sei onde começa a palavra cinema e onde termina a palavra vida, nem onde começa a palavra poesia e termina a palavra revolução”.
Birri falou dos tempos em que deu aula na Universidade de Mérida, na Venezuela, quando partiu em exílio da Argentina, em 1963, lá ele deu vida ao Laboratório Ambulante de Poéticas Cinematográficas, cuja função ele define como: fazer cinema, escrever cinema e pensar cinema. “Era uma poética de transformação da realidade, poética crítica”. “O útil é belo e a beleza é útil”, resume.
A criação da consciência entre os espectadores e os próprios cineastas latino-americanos – “Que nenhum espectador saia o mesmo depois do filme e que nenhum cineasta termine o seu filme sendo o mesmo” – marcou a posterior criação da Escola de Cuba, chamada, à época, de Escola de Três Mundos.
Os três mundos a que ele se refere são América Latina e Caribe, Ásia e África. “Temos que refutar essa denominação de terceiro mundo. Nenhum cidadão se declara de terceira categoria. Só um país que se julga de primeiro mundo poderia inventar esta denominação, a qual refutamos”, afirmou.
O “Docfic”, ou intersecção entre documentário e ficção, foi outro ponto abordado pelo cineasta. Para ele, o “docfic” não é nem documentário nem ficção, é documentário e ficção. Ou seja, esta contaminação saudável entre gêneros e estilos, a qual ele defende na sua práxis cinematográfica.
Por último, Birri lembrou de uma estadia em São Paulo, quando saiu exilado da Argentina, e aqui foi recebido pelo jornalista Vladimir Herzog, que lhe cedeu um apartamento. E da amizade com Rudá de Andrade e Thomas Farkas, entre outros, que gerou o embrião de um movimento documentarista em São Paulo, que posteriormente influenciaria o Cinema Novo. Ao final da sua aula, Birri foi aplaudido de pé.
Leia o manifesto “Cinema e subdesenvolvimento” de Fernando Birri
Fotos: Paloma Varón