
Com a entrega de certificados aos participantes, foi encerrado nessa terça, 31 de maio, o curso “Doenças Negligenciadas na América Latina”, ministrado pelo catedrático deste semestre, Erney Felício Plessman de Camargo. O programa de estudos íntegra as atividades da Cátedra Unesco Memorial da América Latina. As aulas começaram no dia 23 de março, com a palestra de abertura de Manoel Barral Netto, sob o tema : “Vacinas e as doenças negligenciadas, sucessos, fracassos e suas causas”. A última aula foi ministrada pelo professor João Carlos Pinto Dias, sob o tema “O Controle da Doença de Chagas no Brasil, uma história de sucesso, desafios esperados”, no dia 25 de maio.
Pela primeira vez, o curso de extensão semestral da Cátedra Memorial se voltou para a área da Saúde. Ele foi direcionado especialmente para estudantes de pós-graduação nas áreas de Saúde e Biológicas, médicos, sanitaristas, pesquisadores, epidemiologistas, gestores em órgãos públicos ou funcionários de empresas privadas que atuam na área da Saúde.
Mônica Alves Rodrigues, por exemplo, é formada em Pedagogia e Gestão Ambiental, mas procura um tema para pesquisar no mestrado em Saúde Pública. “A Cátedra me ajudou a conhecer termos ditos pelos médicos que antes, por dever de ofício, eu escrevia mas não sabia realmente o significado e as implicações”, disse. Mônica trabalha no Hospital das Clínicas lidando com diversos casos, “geralmente os mais graves passam pelo meu setor”, contou. “O curso me ajudou a conhecer mais sobre diversas doenças, achei muito interessante as aulas sobre aids, tuberculose e câncer, doenças que afligem a sociedade hoje.”
O professor Adolpho José Melfi, coordenador da Cátedra Unesco Memorial e diretor do Centro Brasileiro de Estudos da América Latina (CBEAL), recorda que “por ser essa a primeira experiência na área da saúde, estávamos receosos que não iriamos ter publico, mas foi uma surpresa total. Acho que o tema colaborou bastante – “Doenças negligenciadas na América Latina” – nós tivemos 89 inscritos, 42 entregaram monografias… parece que os alunos gostaram muito.” Segundo Melfi, o curso estava muito bem organizado e os temas tratados profundamente: “não se discutiu muito a doença em si, mas os problemas que o combate a essas doenças enfrentam na América Latina, a falta de apoio e de que maneira isso afeta populações inteiras de diferentes regiões. Foi mais uma reflexão sobres as politicas governamentais – que deveriam ser, na verdade, políticas de Estado – para tratar dessas doenças”.
Kitéria Ribeiro Ferreira é aluna de pós graduação da Escola de Enfermagem da USP. Estuda a tuberculose. “No curso, aprendi sobre outras doenças negligenciadas, mas o trabalho de conclusão de curso me permitiu aprofundar um pouco mais na minha temática”, contou. Segundo ela, a tuberculose é uma doença milenar que já poderia ter uma repercussão epidemiológica muito menor, mas “isso depende não só de decisão política e investimento tecnológico, mas seria necessário melhor distribuição de renda, já que a população mais afetada é a de baixa renda”.
O catedrático Erney Felício Plessman de Camargo achou o curso de um nível adequado ao público, com repercussão satisfatória: “os alunos escreveram monografias sobre temas abordados no curso de boa qualidade, o que demonstra que assimilaram bem a ideia do curso, em que nós procuramos apresentar muitas doenças na América Latina que não são devidamente cuidadas, o que chamamos doenças negligenciadas. Podem ser negligenciadas por várias razões: por falta de apoio econômico, falta de condições do país de atender as necessidades impostas pelas doença. Mas raramente as doenças são negligenciadas pela Ciência; em geral a medicina sabe tudo sobre elas, sabe como tratar, sabe como evitar…”
O termo “doença negligenciada” não é o mais preciso. Segundo Erney Camargo, “a dengue, por exemplo, não pode ser chamada de doença negligenciada, porque se gasta milhões para combatê-la. Ela foi negligenciada lá no seu início, há muito tempo, quando era fácil combater o mosquito que a transmitia, e isso não foi feito.” Otimista, o professor Camargo acredita que em breve a Ciência encontrará uma vacina, mas até lá vai ser muito difícil controlá-la.
Um assunto que chama atenção atualmente do professor são as chamadas “doenças emergentes”, que surgem como mal da própria civilização, como recentíssima a epidemia de coli, que aflige a Alemanha, um país que não pode ser acusado de negligenciar o enfrentamento de suas doenças. A bactéria que a causa é conhecida há pelo menos um século, mas, até agora, nunca havia tudo um surto como esse na Europa. “Seria melhor chama-las de “doenças surpresas” que de vez em quando aparecem assustando todo o planeta”.
O professor Erney convidou para ajudá-lo no curso alguns dos maiores especialistas no ramo. Como disse a pesquisadora Marcia da Conceição Bisugo, do Instituto Adolpho Luzt, “foi uma oportunidade e uma honra ter um contato direto com os autores da nossa bibliografia de estudo. Só a aula do professor João Pinto já valeu o curso inteiro”, disse entusiasmada.
Carlos Tadeu Marastom é enfermeiro de formação e atualmente dirige uma unidade de referência de hanseníase, da Secretaria Estadual de Saúde. Ele também atua no Programa Municipal de Combate à Hanseníase. Ele conta: “doença negligenciada é um campo em que a hanseníase está inserida e a gente veio se atualizar, ver em que termos as doenças estão sendo discutidas, especialmente aquelas sobre as quais a gente pouco houve falar e pensa que estão no âmbito das políticas públicas de saúde e percebemos que não estão”.
Segundo ele, no Sudeste e Sul a hanseníase está controlada, segundo critérios da OMS, mas em outras regiões do Brasil – Nordeste, Centro-Oeste e Norte – ela ainda é uma endemia. “Essa é uma doença que já deveria estar erradicada porque a hanseníase (chamada de lepra antigamente) é conhecida há muito tempo, é facilmente identificada e há um tratamento a base de um coquetel de antibióticos muito eficaz”.
No segundo semestre, o Memorial vai agora publicar um livro com as palestras e algumas monografias do curso “Doenças Negligenciadas na América Latina”. O mesmo já foi feito com as outras atividades da Cátedra Unesco Memorial, abordando assuntos como o meio-ambiente, a produção energética e a integração econômica na América Latina, entre outros.
A Cátedra Unesco Memorial da América Latina é uma parceria da Fundação Memorial da América Latina com a USP, Unesp e Unicamp. E tem o apoio da Fundação Conrado Wessel e das empresas Repson Sinopec Brasil, Banco Santander e da Sabesp.
Foto: o superintendente da Fundação Conrado Wessel, José Caricatti, o professor catedrático convidado, Erney Felício Plessman de Camargo, e Adolpho José Melfi, coordenador da Cátedra Unesco Memorial da América Latina.