Organizada pelo Consulado Geral de Cuba em São Paulo, a festa que comemorou o Dia da Cultura Cubana – no Memorial da América Latina, na noite de 20 de outubro – foi a expressão singela de “uma nação orgulhosa de suas raízes patrióticas e culturais, de seus símbolos, metáforas, músicas e danças populares, que a fazem gigante no panorama artístico universal”, nas palavras da cônsul Ivette Martinez, responsável pela comunicação do corpo diplomático da Ilha acreditado em Sampa.
O governo revolucionário escolheu a data de 20 de outubro de 1868 para marcar o início do desenvolvimento de uma cultura própria e independente. Naquele dia foi entoado pela primeira vez o que é hoje o Hino Nacional de Cuba, na localidade de Bayamo, em um sitio atualmente conhecido por Praça do Hino.
Os ardentes versos foram compostos pelo advogado Pedro Figueredo em plena batalha pela
Independência, na cela de seu cavalo (“a pátria os contempla orgulhosa/ não temais uma morte gloriosa/ que morrer pela pátria é viver”…). Diga-se que, cercada, a cidade preferiu ser queimada do que se entregar ao inimigo. Até hoje, diz Ivette Martinez na abertura da solenidade, “é com esse espírito que vivemos e defendemos a nossa pátria, porque Cuba é mãe, amor, sentido, razão, grandeza amada que sempre será altar e nunca pedestal”.
Com a aproximação diplomática dos EUA, há quem tema que Cuba perca sua autonomia, orgulho e espírito solidário. Não é o caso de Ernesto Borges Garcia, veterano diplomata cubano que vive no Brasil há um ano, depois de uma temporada de um quinquênio na fechada Coréia do Norte. Responsável pela parte administrativa do consulado, ele diz que a influência americana em Cuba sempre esteve presente, devido a décadas de dominação, e perdura até hoje, seja no vestuário, seja no audiovisual, na música. “No entanto, veja a trajetória da Revolução, quantas conquistas em direção à autonomia e à solidariedade internacional!” Garcia conta que até na isolada Coréia do Norte persiste a influência estrangeira, japonesa, no caso, “porque eles dominaram aquela região muito tempo”. Quando jovem, a pedido de Fidel Castro, ele se alistou no destacamento mandado a Angola a partir de novembro de 1975. “Nossa intervenção salvou o país do avanço da África do Sul da época do apartheid”, relembra, sem bancar o herói. “Somos um povo alegre e solidário, acostumado, não a dar o que sobra, mas a compartilhar o que temos, incluindo nossas praias, nossa história e nossa cultura”.
Convidado por Ivette Martinez, o fotógrafo Pedro Ribeiro conta como foi sua excursão pelos lugares turísticos de Cuba, de norte a sul da Ilha.
No mesmo dia foi inaugurada a exposição “Vai para Cuba”, do fotógrafo Vitor Ribeiro, que também é diretor do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Aliás, ele anunciou que está nascendo no âmbito do sindicato uma associação de jornalistas amigos de Cuba. “Como na arte contemporânea, na fotografia a ideia que se vende é tão importante quanto a própria obra”, defende a cônsul Ivette Martinez, “tese que é demonstrada na exposição “Vai para Cuba”, cujas imagens refletem os tons, os detalhes, o profissionalismo e o compromisso que Cuba tem com o serviço turístico”. O discurso que abriu a festa foi direto: “Agradecemos ao Vitor pelo seu emprenho em mostrar pela arte a realidade de Cuba, destacada pela naturalidade, alegria e colorido do seu povo e suas ruas”. De fato, as fotos transmitem a mensagem de uma Cuba colorida e natural, muito bem preparada para receber os turistas (e seus dólares).
Comovente também foi a homenagem ao poeta nacional cubano Nicolás Guillen, cuja obra é considerada a expressão plena da aspiração popular. Todos o reverenciaram ainda mais ao ouvir sua própria voz declamar as estrofes do poema “Tengo”, escrito pouco depois da Revolução, seguido de uma emocionante interpretação da brasileira Telma Lucena dos versos do poema “Yoruba Soy” (Son 16).
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“Tengo”
Cuando me veo y toco
yo, Juan sin Nada no más ayer,
y hoy Juan con Todo,
y hoy con todo.
vuelvo los ojos, miro,
me veo y toco
y me pregunto cómo ha podido ser.
Tengo, vamos a ver,
tengo el gusto de andar por mi pais,
dueño de cuanto hay en él,
mirando bien de cerca lo que antes
no tuve ni podía tener.
(…)
A noite também contou com uma apresentação de balé clássico, por meio da bailarina Isaura Guzmán, graduada no Balé Nacional de Cuba e fundadora da Companhia de Dança Cumbre; ela dançou acompanhada de Telma Lucena e ao som de Celina Gonzales “Eu sou o ponto cubano”. Em seguida, foi a vez dos bailarinos da Academia de Balé Tamara Lisa (Rosana Silva, Luisa Gaspeione, Victoria Damacio, Jazmin Oríquio, André Pacheco e Julia Carolina) apresentarem a peça “Corações Urbanos”, do coreógrafo Jorge Costa. Eles fazem parte do intercâmbio cultural entre Brasil e Cuba.
Ivette Martinez: “Ao abordar as raízes da dança em Cuba temos que considerar a riqueza da influência africana, os elementos essenciais das manifestações dançantes de origem lucumi e bantu e os influxos dos bailes caribenhos: os bailes campesinos, as charangas, parrandas e outras festas. Foi assim que se originaram os principais gêneros da dança popular, como as congas, as comparsas e a rumba.”
Casal cubano de dançarinos folclóricos demonstram os ritmos apresentados pelo grupo musical cubano Batanga y Companía
As explicações de Ivette Martinez iam sendo temperadas por muita música caribenha, levada pelo grupo cubano radicado em São Paulo Batanga e Cia. “A música cubana nasce da fusão entre a música espanhola com a africana. O “Son” é considerada a primeira manifestação da música cubana, no final do século XIX” (Ivette) e tome “Son de la Loma”, um dos títulos da época deste gênero, popular até hoje.
O percurso pelos diferentes ritmos feito pelo Batanga y Compañia, sob a direção do músico cubano Pedro Bandera, levantou a plateia, que caiu na dança. Não sem antes ouvir Ivette esclarecer: “O baile e os passos dos dançarinos cubanos dos clubes da época influenciaram os músicos e os inspiraram a criar novos ritmos. Assim, a “Contradanza francesa”, misturada a alguns elementos do “Son cubano”, criaram o “Danzón”, segunda corrente importante da música cubana. Da evolução do “Danzón”, resultaram nos anos 30 o chamado “Danzón del Nuevo Ritmo”, logo “Cha-Cha-Cha”, o “Mambo”, “Guaguancó” e os boleros. Nos anos 60, os ritmos clássicos cubanos se modernizam e começa a ser criada a timba, hoje o gênero mais difundido em Cuba”.
O evento com dança, música e exposição se deu na Sala de Vídeo do Pavilhão da Criatividade Popular Darcy Ribeiro e reuniu pouco mais de cem pessoas, a maioria cubanos residentes em São Paulo.
Por Eduardo Rascov