O curso “Doenças Negligenciadas na América Latina”, ministrado pelo catedrático Erney Felício Plessman de Camargo, é voltado especialmente para estudantes de pós-graduação nas áreas de Saúde e Biológicas, médicos, sanitaristas, pesquisadores, epidemiologistas, gestores em órgãos públicos ou funcionários de empresas privadas que atuam na área da Saúde. Entre os 20 regularmente inscritos, além dos 40 alunos ouvintes, o Memorial apoia com bolsa de estudo duas estudantes com especial interesse pelo tema.
Elas foram escolhidas por sua origem. Uma delas é oriunda de um país latino-americano que enfrenta muitos problemas com doenças tropicais: Paola Gabriela Cardenas Rodriguez, 27 anos, natural de Santa Cruz de La Sierra, Bolívia. Paola é estudante de medicina (Universidade Católica Boliviana) e atualmente faz estágio no Hospital Emílio Ribas, na Seção de Patologia, em São Paulo. Está em fase de regularização de documentos e se preparando para fazer residência médica nessa área.
A outra bolsista é Dassuem Nogueira, 26 anos, de Manaus/AM. Ela é mestre em Antropologia Social, com uma pesquisa em saúde das populações da área endêmica de malária, pela UFAM (Universidade Federal do Amazonas). Não há dúvida de que as atividades no Memorial e o contato com os vários especialistas que palestrarão durante o curso, irá enriquecer a sua formação e resultar, mais à frente, em benefícios para a população amazônica brasileira.
Ambas as estudantes já conheciam São Paulo. O que assusta Paola é o tamanho de São Paulo, já Dassuem fica atordoada com o metrô caótico da seis da tarde. Para a boliviana, linguagem médica utilizada no curso é um fator que dificulta um pouco a compreensão, mas do início pra cá já foi se habituando.
Como é de se imaginar, ambas as estudantes ressaltaram a falta de políticas públicas no cuidado com essas doenças. É um problema não exclusivo do Brasil. Ao ser perguntada sobre como funciona o sistema de saúde da Bolívia, no que toca essas doenças endêmicas, Paola diz que até existem campanhas de vacinação e outras tentativas de prevenção, porém não existe uma boa organização. Por exemplo, quando surgiu a gripe do vírus H1N1, o país não tinha estrutura para manter outras campanhas funcionando ao mesmo tempo. A Bolívia acabou se voltando todo para a conhecida “Gripe Suína”. Consequência: por algum tempo, acabaram negligenciando as demais doenças, considerando esta mais urgente.
Paola também alerta para a urgência da Doença de Chagas na Bolívia que, segunda ela, é seríssima. Normalmente, o diagnóstico é tardio e as complicações decorrentes de Chagas são muito graves. Ao contrário do Brasil, ainda não há um controle deste mal. Além dos males próprios da Doença de Chagas, Paola conta também que há um grande problema quanto à recusa de sangue doado por estar contaminado pelo parasita Trypanosoma cruzi.
As bolsistas contam com um auxílio financeiro, seguro saúde e ajuda do Memorial para obtenção de documentos consulares e hospedagem. Leia trecho das entrevistas:
Como vocês ficaram sabendo do curso?
Paola: Uma das patologistas que trabalham comigo, que atua também no Instituto Adolfo Lutz, foi quem me indicou o curso. É do meu interesse, naturalmente, devido ao fato do meu país se localizar na região tropical. Aprendendo o que é ministrado no curso, poderei colocar o conteúdo em prática e ajudar a Bolívia.
Dassuem: Um colega que trabalha em uma universidade do Amazonas me enviou um e-mail com o edital do curso.
E de que forma vocês vão aplicar esse curso lá em suas regiões? Pretendem continuar com pesquisa ou vão usar o conhecimento na prática?
D: Minha ideia é fazer o projeto pro doutorado, na UFSC ou na UFAM. Para mim, esse curso no Memorial está vinculado à formulação da proposta de doutorado e espero eu seja bem útil. No TCC e no mestrado trabalhei com malária,. Então, a possibilidade de ter um apanhado geral de política pública, dessas doenças no Brasil, é fundamental, eu acho, pra elaboração desse projeto.
E em suas regiões de origem, qual é a situação dessas doenças? Existe controle, como é que estão as coisas por lá?
P: Na minha região de origem – eu sou de Santa Cruz, parte da Bolívia cujo clima tem muito a ver com o daqui do Brasil – ocorrem essas mesmas endemias . Recentemente, por exemplo, também houve o surto da gripe H1N1 e o país não estava preparado para lidar com a sua disseminação. Com o curso, pretendo levar as ideias do que está sendo usado e implementado no Brasil no controle dessas doenças.
D: Vivo em Manaus e o controle de várias doenças tropiciais é bem dificultoso por não haver uma visitação frequente às casas das pessoas, o que diminui o controle disso.
Fotos: Daniela Agostini