/governosp
Às vezes, o rio Carapachay está tão baixo, que o lodo do fundo se aproxima das margens, deixando as raízes das casuarinas mudas no ar como mãos de dedos finos, dando aos confins da floresta subtropical um aspecto de mangue. Quando o vento se acalma, e a luz do crepúsculo parece acariciar a superfície do quieto rio, surgem os seres ocultos da margem. Nessa ocasião, gosto de remar contra a corrente suave, passar o sítio “Los Huarpes”, a casa do louco João, ir além das paredes arabescas e logo deixar o remo, permitindo que o rio me leve com mão tênue de volta para casa. Enquanto vou montado na canoa e no rio, penso que a força que me move vem da confluência de todas as águas do sul da América do Sul (ao sul do meridiano 15, as águas deságuam no Oceano Atlântico através do rio Paraná e da Prata), e que essas moléculas de água sobre as quais viajo como uma folha, podem vir do Chaco Paraguaio, do Pantanal dividido entre o Brasil e Bolívia, ou do Uruguai. E no silêncio da tarde, ocupado pelos murmúrios das pombas e dos longínquos bem-te-vis, deito na canoa, sobre o rio, como sobre o dorso de um dragão, acalmo minha respiração e mente, e olho a beira do rio através da lente da câmara, observando como brinca a margem refletindo-se no espelho do rio. E, pouco a pouco, aparecem os rostos, às vezes zombeteiros, e outras vezes terríveis, dos seres da margem, que parecem despertar na sua hora mágica, buscando com seus olhos meu olhar, como querendo contar no silêncio, um segredo antigo. Sei que o encontro é efêmero, que os últimos raios de sol marcam o fim do encontro, e que a noite encarregar-se-á de aproximar outros mistérios à mata, aos cais e ao rio.