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Suassuna brilha em aula-espetáculo no Memorial
O escritor e dramaturgo Ariano Suassuna reuniu mais de mil pessoas para uma aula-espetáculo no auditório Simón Bolívar do Memorial da América Latina. Autor de obras bastante conhecidas pelo público, como “Auto da Compadecida”, Suassuna falou sobre literatura, sobre o Nordeste, o ser brasileiro e contou piadas e anedotas que fizeram com que o público o interrompesse algumas vezes com risadas e aplausos.
Suassuna, que completou 80 anos e é homenageado com uma série de eventos, começou falando de duas das vertentes que considera mais importantes na literatura brasileira: a barroca e a popular. O barroco, movimento que predominou nos séculos XVII e XVIII, está ainda muito presente na nossa literatura. “O clássico, o romântico e o barroco são posições que se podem tomar a qualquer época”, disse.
Ele exemplifica dizendo que considera Guimarães Rosa, autor de “Grande Sertão: Veredas”, um autor barroco. Isso porque ele reúne elementos contemporâneos e medievais na suas obras. E a unidade de coisas contrárias é uma característica do barroco.
“As grandes obras são contemporâneas eternas de todas as gerações”, disse ele, citando trechos de livros e declamando poemas de cor. Nada mal para quem acabou de completar 80 anos. Suassuna, que foi professor de História da Cultura Brasileira, é hoje Secretário da Cultura de Pernambuco.
Idade Média
“As vezes me atribuem frases que eu nunca pronunciei e depois ainda dizem que estou errado. Falam que eu disse que queria que a Idade Média voltasse ao Brasil. Eu posso ser doido, mas burro eu não sou. Imaginem se eu ia dizer um disparate desses”, disse ele.
Depois de explicar o óbvio, que a chegada dos portugueses ao Brasil só se deu depois da Idade Média, ele ainda completou: “Do jeito que eu faço graça com padre, bispo, eu logo ia ser queimado na fogueira”.
O que ele diz sempre, explicou, é que na cultura popular brasileira existem muitos elementos da Idade Média. “Guimarães Rosa fundamentou o “Grande Sertão: Veredas” no barroco ibérico. Aquilo que é bom artisticamente nunca morre”.
Suassuna ainda falou que é contrário à utilização do termo “trevas da Idade Média”, por considerar que houve muitas coisas importantes que foram produzidas neste período. Citou poesias da época para exemplificar que não havia só trevas, que o que era dito naquele tempo continua atual. “Uma obra de arte não tem idade se ela for boa, disse.
João Grilo e Macunaíma
Outro momento interessante foi quando relembrou o ocorrido na estréia de “Auto da Compadecida”, em São Paulo: alguns críticos compararam seu personagem João Grilo ao Macunaíma, de Mário de Andrade. Mas tanto ele quanto Mário de Andrade rechaçaram a comparação. “Enquanto o Macunaíma é o “herói sem nenhum caráter”, o anti-herói brasileiro, João Grilo tem caráter e é muito”. Ele vence o padre, o bispo, vence todo mundo. Se ele não é herói, eu não sei quem é”, completou, arrancando risos da platéia.
Suassuna ainda encaixou sua obra dentro dos chamados romances picarescos Segundo o autor, assim como o personagem principal de “Lazarillo de Tormes”, Lázaro, João Grilo é também um refém da fome – suas atitudes são todas justificadas pela necessidade de sobrevivência. Citando Machado de Assis, Suassuna disse que existem dois países no Brasil: o real e o oficial. O real é bom e revela os melhores instintos, já o oficial é caricato e burlesco. “Eu acho que continua assim até hoje. E o Brasil oficial está cada vez mais grotesco. Eu posso dizer isso porque sou nascido, criado, formado e deformado pelo Brasil oficial”.
O dramaturgo ressaltou a importância do escritor dentro da sociedade em que está inserido – uma vez que os mesmos não dispõem de poder financeiro e nem político, devem fazer uso da palavra para denunciar as injustiças socias. Diz que gostaria que cada um de seus trabalhos correspondesse a um tijiolo para que, no futuro, possam conservar o “Brasil real” caso o “oficial” o tenha encoberto.
Gosto médio
O escritor fez questão de salientar que, ao contrário do que dizem, não é inimigo da mistura e da renovação cultural, só não concorda com a importação do que chamou de “gosto médio” – manifestações artísticas voltadas para agradar as grandes massas que, no entanto, são vazias de significado. Acredita que a cultura é a alma de uma nação e sendo assim, deve ser mantida.
Suassuna, entre brincadeiras, criticou o que vem sido produzido musicalmente no exterior e que, depois é copiado aqui no Brasil como se traduzisse a nossa realidade. Ao mesmo tempo, elogiou o trabalho do músico e companheiro Antônio Nóbrega que irá encerrar a homenagem ao escritor com um show no Memorial, dia 30.