
Na abertura do 3º Festival Latino-Americano de São Paulo – na noite dessa segunda, 7 de julho de 2008 – os 876 lugares do Auditório Simón Bolívar estavam tomados por jovens amantes do cinema latino-americano. Amam o que não conhecem. Curiosidade é uma boa palavra a ser usada aqui. Filmes latino-americanos raramente passam no mercado cinematrográfico brasileiro, com exceção de um ou outro argentino ou mexicano(leia sobre isso em entrevista de João Batista de Andrade, curador do Festlatino)
Adolfo Melfi, presidente em exercício do Memorial, saudou a todos e lembrou que no ano que vem se comemora 20 anos de Memorial da América Latina. Nessas duas décadas, “posso afirmar que o melhor da produção artística e cultural da América Latina passou por aqui, mas faltava alguma coisa para completar essa trajetória – justamente um festival como esse que revelasse toda a riqueza estética e temática do nosso cinema”. Graças à iniciativa de Fernando Leça e João Batista de Andrade, há 3 anos, o Festlatino hoje faz parte do calendário cultural da cidade. “É um ponto de encontro da contemporaneidade do cinema latino-americano, ao mesmo tempo que um espaço para a polêmica e o debate”, diz Andrade.
Desde sua primeira edição, o Festlatino não perdeu sua identidade. É também um espaço de combate e de denúncia. Não é por outra razão que o cineasta Fernando Solanas foi escolhido para ser homenageado. Segundo Andrade, “Solanas é um pouco a representação do festival como a gente o idealizou desde o início, isto é, um festival contemporâneo, mas sem esquecer a força do cinema que gerou verdadeiramente o cinema latino-americano”. Ele se referia ao cinema dos anos de luta contra as ditaduras na América Latina, nas décadas de 60 e 70. “La Hora de Los Hornos” – um dos mais fortes libelos cinematográficos contra a dominação latino-americana – é de 68. “Mas Solanas continua fazendo um cinema extremamente crítico e atual”.
A curiosidade dos brasileiros não se restringe aos filmes, mas se estende aos próprios países latino-americanos. O filme que abriu o Festlatino – “Os uruguaios”, de Mariana Viñoles – faz parte de uma série de documentários chamada “Os Latino-Americanos”. São 10 co-produções de 50 minutos cada, produzidos com orçamento captado por meio de renúncia fiscal do governo brasileiro. Encomendados pela TAL – Televisão América Latina (rede de televisões educativas latino-americanas cuja sede é em São Paulo acessível via Internet (www.tal.tv), os filmes tentam captar o caráter dos argentinos, bolivianos, colombianos, cubanos, equatorianos, mexicanos, paraguaios e venezuelanos.
O documentário “Os uruguaios” foi muito aplaudido pelo público brasileiro. Colocando-se em quadro logo na primeira cena, a jovem diretora uruguaia Mariana Viñoles demonstra uma certa reflexão sobre a linguagem. Tenho que fazer um filme sobre o meu povo, e agora? Ela constrói uma delicada empatia com seus personagens uruguaios, os quais são entrevistados em lugares significativos, como em um barco a remo singrando um rio caudaloso, ou em uma zona rural perto de vaquinhas imóveis.
Antes da sessão, os discursos apontaram para a necessidade de se aumentar o intercâmbio de filmes entre os países da região. Francisco César Filho, o Chiquinho, um dos diretores do Festlatino, destacou que a produção audiovisual latino-americana tem um papel a ocupar na contemporaneidade, já que “nos expressamos, refletimos, pensamos o mundo e nos reconhecemos por meio das imagens”.
Não satisfeito com o sucesso de público e de mídia , o Festlatino quer mais: “não só que sejam reconhecidos novos talentos, mas que nasçam idéias, projetos, parcerias e co-produções entre os realizadores dos representantes dos vários países aqui presentes”, resume Chiquinho.
Por Eduardo Rascov
Fotos: Fábio Pagan