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O destaque de hoje da série de eventos ligado ao movimento das Arpilleras é o seminário “Mulheres em Luta: Bordando a Resistência”, das 9h às 17h, na biblioteca latino-americana. A participaçao é gratuita.
“Mulheres, água e energia não são mercadoria”. Essa frase saia com gosto da boca de Edisângela Alves Barros, 31 anos, natural de Altamira, no Pará, e hoje moradora do assentamento Jotabar. Era cantada em uníssono com outras mulheres e homens reunidos no Salão de Atos Tiradentes, na noite de sexta, 25 de setembro de 2015, no ato de abertura da exposição “Arpilleras: Bordando à Resistência” (assim mesmo, com crase no “a”, significando à guisa de). O bordão tem a felicidade de reunir diferentes lutas camponesas (pela terra, meio de vida tradicional, contra a violência) sob o viés do feminismo. Ela e outras mulheres encenaram uma pantomima na qual era narrada a luta por terra e melhores condições de vida dos deslocados pela expansão do capitalismo atual.
Para celebrar, reuniram-se militantes, simpatizantes e associados do Movimento dos Atingidos por
Barragens, o MAB, organizador da mostra de arpilleras, filmes, debates e oficinas em cartaz no Memorial. Além deles, havia representantes de organizações sociais, como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Levante Popular da Juventude, Consulta Popular, Terra de Direitos, Grito dos Excluídos e o Centro Gaspar Garcia, bem como de instituições oficiais como a Procuradoria Federal de Direitos do Cidadão, 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, Universidade Federal de Juiz de Fora e Federação Nacional dos Urbanitários.
Arpilleras: Bordando à Resistência – programe-se
Cada um tinha um motivo para estar ali, mas nenhum era mais autêntico do que o de Edisângela, representante legítima da população ribeirinha da região amazônica, a que mais sofre com os grandes projetos de usinas hidrelétricas, constituída de pobres, negros, indígenas, pescadores e trabalhadores rurais. Mãe de cinco filhos (o mais velho tem 15 anos), ela é casada com o pescador João Silva Oliveira. “Quando ouvimos falar pela primeira vez que iriam construir uma hidrelétrica na nossa região, pensamos que ia trazer progresso, que nossa vida melhoraria”. Como jovem mulher de uma comunidade tradicional, sua vida em contato com a natureza quase intocada era cuidar das plantinhas dentro de casa, da horta no quintal, do lar, dos filhos, dos animais, do marido. Vida dura e bela.
Vieram os engenheiros e disseram maravilhas em Altamira. A hidrelétrica de Belo Monte traria benefícios a todos, disseram. Mas a realidade se mostrou muito diferente: ela, seu marido pescador e seus filhos, bem como toda a vizinhança ribeirinha, foram transferidos para um assentamento distante do rio. As condições eram precárias, sem energia elétrica e água tratada. Foi então que Edisângela percebeu que não podia ficar parada, tinha que fazer alguma coisa.
Assim, Edisângela começou uma militância que não cessa até hoje. “Invadimos prédios públicos e de empresas privadas, interditamos vias, até que conseguimos um reassentamento melhor. Agora a nossa luta é por melhores condições de vida para os assentamentos, como energia mais barata, pois chegamos a pagar até 500 reais de conta de luz”, explica.
Edisângela Alves Barros é um exemplo de mulher que ganhou consciência. E por isso canta com as outras: “Olê, mulher rendeira, olê, mulher rendá, se a mulher ficar em casa, nunca vai se libertar”. Com suas companheiras, ela costura sua própria história, trabalho costurado a várias mãos, que integra arte, cultura e luta. Elas superam a violência de gênero cotidiana e passam horas de liberdade, conversa e alegria. Por meio da linguagem artística das arpilleras, elas trabalham a memória e a resistência. “O sistema (de produção e distribuição elétrica) não foi criado para nós, mas para as grandes empresas. Queremos passar de um modelo cego e capitalista para um modelo energético e popular”.
Por meio do trabalho silencioso de resistência, Edisângela e suas companheiras denunciam a
brutalidade de violações modernas impostas pelos interesses econômicos . Paradoxalmente, suas vozes ecoaram não só pelo Chile e Brasil, mas pelo mundo. “Unidas, bordamos a resistência” , dizem, porque “mulheres, água e energia não são mercadoria”.
Arpilleras: Bordando à Resistência – programe-se
Por Eduardo Rascov
Fotos Bruna Sanches