O México é um país de história vibrante, marcada por lutas, fusões culturais e uma identidade plural que desafia os estereótipos. Em visita recente ao Memorial da América Latina, o cônsul-geral do México em São Paulo, José Alberto Limas Gutiérrez, e o cônsul para assuntos culturais e econômicos, Rodrigo Vázquez Ortega, refletiram sobre como a imagem do país é percebida fora de suas fronteiras e como é necessário ampliar esse olhar.
“Aquela que merece ser mais celebrada do que conhecida pela história”, definiu, ao falar sobre a cultura mexicana. Para ele, no Brasil, a presença do México costuma se concentrar em poucos ícones populares. “As três ou quatro coisas mais conhecidas sobre o México são Chaves, as praias e, mais recentemente, o que para mim foi uma surpresa total, o grupo RBD, formado por jovens que agora estão mais crescidos. Outro tema que surgiu com força nos últimos tempos é o Dia dos Mortos”, diz.
Essa síntese, embora afetuosa, não dá conta da complexidade cultural mexicana. Segundo o Rodrigo, até mesmo nas lojas da Avenida Paulista o retrato do México se resume, muitas vezes, a Frida Kahlo e Chaves. “Assim como Chaves é, talvez, a representação mais influente do México na cultura popular brasileira, Frida Kahlo ocupa esse papel na cultura artística e acadêmica. É a figura mais potente, conhecida e admirada não apenas no Brasil, mas em muitos outros países”.
A força de Frida, para além de sua obra, está na construção de uma identidade própria e profunda. “Frida é provavelmente a única artista mexicana que conseguiu se tornar um ícone mundial. Por sua arte, sua imagem pessoal, sua vestimenta, sua sobrancelha unida, os vestidos, a roupa indígena que usava e por sua própria história de vida marcada pelo drama, pelo casamento com Diego Rivera, pelo acidente que sofreu ainda jovem”, aponta Rodrigo.
Mas a cultura mexicana vai além dessas figuras. É fruto de uma longa e complexa miscigenação de influências indígenas, europeias, afrodescendentes e de outras tradições. “Por exemplo, agora, no México, temos um movimento forte para resgatar o legado dos afrodescendentes. No México são muito poucos, somente cerca de 2% da população, mas também estão buscando esse reconhecimento. O segundo presidente do México foi um afrodescendente e estamos tentando resgatar esse legado”, afirma o cônsul geral.
Essa pluralidade se reflete também na forma como o país se apresenta ao mundo e como o consulado trabalha para ampliar esse repertório. “Os países quase sempre se tornam um pequeno grupo de estereótipos. Se você está em qualquer parte do mundo e diz que gosta do Brasil, as pessoas logo citam Rio de Janeiro, praia, Cristo Redentor, futebol, carnaval. Essas quatro ou cinco coisas. Mas o Brasil é muito mais e o mesmo acontece com o México. Se alguém diz que gosta do México, logo falam em tequila, mariachi, Frida Kahlo, tacos”.
Em São Paulo, o Dia dos Mortos tem ganhado corpo como uma celebração recorrente, que une tradição e diálogo intercultural. Para Rodrigo, “São Paulo vive o Dia dos Mortos de forma muito marcante, muito viva, muito festiva. E a cada ano fica mais próxima da celebração como é feita no México. Também é parte do nosso trabalho no consulado ter um objetivo pedagógico com relação ao significado do Dia dos Mortos”.
Para ele, despertar o interesse pela profundidade dessas manifestações culturais é fundamental. “Acho que isso pode ser de grande interesse para os brasileiros: se aprofundar, entender melhor, não ter dúvidas sobre por que está sendo feita essa celebração, qual o significado, como ela é feita no México e como ela é trazida para o Brasil”.
Ao final da conversa, os cônsules destacaram a trajetória histórica compartilhada entre México e Brasil, marcada por diferentes complexidades e caminhos rumo à independência. “Nossa formação atual é resultado de uma luta de conquista para alcançar uma vida independente. Acho que isso também tem muito a ver com a história do Brasil. E essa condição histórico-cultural está muito vinculada à região da América Latina. Essa duplicidade identitária, regional, econômica, explica muito sobre como o México é um país muito complexo”, finaliza.
Complexo, múltiplo e merecedor de um olhar mais atento que vá além dos ícones, sem negá-los, mas que celebre também o que ainda não conhecemos.