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São Paulo, 14 de fevereiro de 2009.
Apesar da chuva fina que começou a cair depois do almoço deste sábado, e não parou mais, o Pholia no Memorial de 2009 (o 19º de sua história e o 4º consecutivo no Memorial) foi mais um grito de carnaval digno da tradição do samba de São Paulo. O samba de blocos, onde o que vale é brincar sem competição, é uma autêntica manifestação cultural latino-americana, como outras, que resiste à pasteurização contemporânea. Daí ter encontrado abrigo no Memorial da América Latina
Um desfile a parte foi o que trouxe um pouco do famoso Carnaval de Oruro, na Bolívia. Imigrantes bolivianos e seus descendentes organizaram um desfile que impressionou a todos – “tem boliviano no samba!”, exclamou uma passista – com suas fantasias multicoloridas e máscaras "assustadoras". O jovem Francisco Hanca é um boliviano que chegou há 8 anos em São Paulo. Se apresenta como “costureiro”. Ele trajava uma roupa de diabo, com dobrados dourados. Sua máscara lembrava um dragão com chifres. “É o Diabo”, explicou. À sua volta, vários outros Diabos e Diabas. “É que Oruro é uma região mineira. A gente vive dentro da terra para escavar e procurar minérios”, foi explicando. “Bem, Deus vive no céu e o Diabo vive dentro da terra. E é ele quem ajuda a encontrar ouro”, contou, feliz por poder contar um pouco da tradição de seu povo.
Com o desfile de blocos organizado pela ABBC (Associação de Blocos, Bandas e Cordões de São Paulo), o pré-carnaval mais tradicional da cidade não só abriu oficialmente o calendário carnavalesco do município de São Paulo, como promoveu um espaço democrático de integração de fuliões de diferentes origens, classes sociais e regiões, do qual não faltou até o animado grupo boliviano.
Em cima do caminhão de som no qual estava escrito “Trio Elétrico Gladiador”, os puxadores de samba do 1º bloco cantaram como quem dá “gloria a Deus”. Eram os “Sambistas de Jesus”, cujo componentes são fiéis da Igreja Renascer. O samba-enredo falava das “promessas de Josué” e que um dia “em todas as línguas, o nome certo do Senhor exaltará”. A forma era de samba tradicional que empurra as escolas nos desfiles, mas o conteúdo da música era cristão. Uma interessante combinação entre carne (afinal, Carnaval é a festa da carne) e espírito.
O público abandonava as arquibancadas e se escondia da chuva debaixo da passarela ou na marquise do Salão de Atos. Era um duelo entre a água e a alegria. A bateria estava bem ensaiada, pois alguns de seus componentes são da Nenê da Vila Matilde. Era lá inclusive que eles ensaiavam. A roupa dos fuliões não podia ser mais discretas: camiseta com a frase “Deus é fiel” e moletom. Com os desfiles, eles lavaram a alma e quem sabe não purificaram seus pecados.
No camarote, os vips tentavam acompanhar o samba, mais o Pholia estava apenas começando e as pessoas se aquecendo. Pámela e Rodrigo, por exemplo, estavam ali para prestigiar o bloco de amigos deles, o Med Pholia. Era a primeira vez dela, “estou curiosa para ver o desfile do pessoal da USP”, dizia. Rodrigo faz Física na USP: “Sou um físico que gosta de samba. Como você vê, tem louco pra tudo”.
A 2ª escola ou bloco a desfilar foi a Unidos do Abaeté. Sai os evangélicos e entram pessoas simples lá do Parque Tietê, nos confins da Zona Norte. Algumas crianças de pé no chão. Na linha de frente, palhaços entraram sambando, pois o samba enredo tem o tema “O mundo do circo. Voltamos a ser crianças”, dos compositores Dica e Soro do Cavaco. “O show vai começar/Tem fadas, bruxas e duendes/Neste picadeiro a brincar”, rezava a letra.
Na extremidade do camarote fica o Botequim, onde a organização concentra os famosos. E personalidades do mundo do samba paulista é que não faltaram. Estava ali, por exemplo, Maria Helena Santos, eleita Imperatriz Baluarte do Samba e Acadêmica do Estado de São Paulo. Ela foi escolhida com outras 12 “senhoras do samba” para serem homenageadas. “Estou no samba há 40 anos, já virei acadêmica, não tem mais lugar para mim”, brinca. A Imperatriz Baluarte do Samba recebeu esse título no Dia Nacional do Samba, 2 de novembro. Neste ano, a veterana desfila na Tom Brasil.
Outro que não perde uma “avenida” é o mitológico Oswaldinho Coça Coça, auto-intitulado “o maior ganhador de samba-enredo do Brasil”. Afastado do microfone há 15 anos, ele foi 5 vezes campeão e 4 vezes vice-campeão, todas interpretando o samba da tradicional escola paulistana Camisa Verde e Branco. “Eu ganhava no tempo que o samba era samba e não essa marcha-samba de hoje, um corre-corre danado, parece marcha de soldado”, diz o músico, que também é compositor;
A cantora Milena jurou adorar o samba de São Paulo, “como o do Rio, onde trabalhei muito, e o da Bahia, que é a minha terra”. Ela foi uma das que deram uma palhinha em cima do carro elétrico. A outra foi Ivete Souza. Também estavam por lá Klebi Nóri e Yara Marques. Milena aproveitou para anunciar que no mês que vem fará uma homenagem a Dorival Caymi. Os shows serão às terças-feiras, na Galeria Olido, às 19h.
A concentração de quem ia desfilar ficava atrás do Salão de Atos. Lá se reuniram, por exemplo, os componentes do bloco Med Pholia. Eram os alunos das Faculdades de Medicina, Enfermagem e Nutrição da USP. A maioria deles era calouro e não sabia o que estava fazendo ali – os veteranos que mandaram e eles estavam ávidos em obedecer. As amigas Ana Carolina e Ana Gabriela, ambas da Nutrição-USP, foram as que definiram melhor o que estava acontecendo: “Para nós, o grande barato do Pholia é a gente reunir os amigos antes do início da aula, que é logo após o Carnaval, e fazer essa festa”.
De fato, era essa confraternização que importava aos alunos da USP. Diferentemente da maioria dos sambistas das outras escolas, estavam ali estudantes privilegiados (classe média) que após sobreviverem ao vestibular só queriam brincar. Ou namorar, como se via entre os vários casais. Quando entraram na passarela do samba do Memorial, tudo o que eles não tinham era samba no pé. Talvez tenha sido o pior desfile de toda a história do carnaval brasileiro. Mas isso importa?
Veja também:
Musas do Pholia se preparam para puxar os blocos da festa de abertura
PHOLIA NO MEMORIAL 2009
Dias 14 e 15 de fevereiro, das 13h às 20h
Memorial da América Latina/ Praça Cívica
Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, Barra Funda
Entrada franca
Por Eduardo Rascov
Fotos de Fábio Pagan