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“Olha, é a nossa marimba!”, surpreende-se Rosa Maria Cruz e Silva, Ministra da Cultura de Angola, ao visitar o Pavilhão da Criatividade do Memorial. A placa de identificação indica de onde veio o instrumento musical: Chichicatenango, Departamento de Quiche, América Central. “Sim, é o instrumento nacional da Guatemala”, explica Maureen Bisilliat, curadora do Pavilhão. “Essas cabaças furadas nós também temos em Angola”, continua a ministra. Sim, a influência africana na cultura material latino-americana é palpável.
A Ministra da Cultura de Angola visitou a Fundação Memorial da América Latina nesse feriado de 3 de junho, acompanhada de Diekumpuna Sita Nsadisi José (foto acima, ao lado da Ministra), embaixador de Angola na Unesco, e de Américo Kwononoca, Diretor do Museu de Antropologia de Angola, entre outros. A comitiva foi recebida pelo presidente do Memorial, Fernando Leça (em 1º plano, na foto abaixo).
Ao percorrer o conjunto arquitetônico do Memorial, indo de um espaço cultural a outro, a ministra angolana contou que veio ao Brasil em missão oficial a fim de conhecer locais tombados que fazem parte do Patrimônio Cultural da Humanidade, declarados pela Unesco. Já havia visitado Brasília e em especial sua Catedral. “Estamos agora a elaborar uma lista de locais em Angola que também farão parte do Patrimônio Cultural da Humanidade”, conta Cruz e Silva. “Disseram-nos que não podíamos deixar de conhecer o Memorial.”
Outro objetivo da visita é aprender com a experiência de gestão do Memorial. A ministra explica por quê: “Acabamos de criar em Angola um Memorial. O prédio está pronto e se chamará Memorial Agostinho Neto. Mas ainda não sabemos como geri-lo e estamos a procura de um gestor.” Antonio Agostinho Neto foi o primeiro presidente do país e governou de 1975 a 1979, quando morreu. Médico formado na Universidade de Coimbra, em Portugal, poeta e líder guerrilheiro do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola), Agostinho Neto é o grande herói da independência de seu país.
Angola é um país novo – colonizado por Portugal, conseguiu a independência apenas em 1975 . A partir deste ano, mergulhou em uma guerra civil sangrenta que ceifou mais de 500 mil vidas. A paz só foi selada em 2002. Desde então o país vive uma promissora fase de reconstrução. No que é ajudado pela riqueza escondida em seu solo, principalmente diamantes e petróleo.
A língua oficial de Angola é o português, mas o país tem mais 9 línguas nacionais e um número muito maior de dialetos. Angola encontra-se justamente em uma fase de valorização das línguas, etnias e culturas que formam seu país. As línguas nacionais, por exemplo, passarão a ser ensinadas nas escolas a partir do ano que vem, de acordo com a região e predominância.
Tendo essas informações como base, o presidente Leça então relatou à comitiva angolana o surgimento do Memorial e ressaltou a importância de, desde o início, ele ser vinculado à universidades. “É importante envolver a gente da Universidade”, contou, “Oscar Niemeyer fez o projeto arquitetônico do Memorial, mas chamou o antropólogo Darcy Ribeiro para pensar seu conceito. Este por sua vez buscou importantes intelectuais da USP para lhe ajudar a conceber o Memorial, como Antonio Cândido, Alfredo Bosi e Carlos Guilherme Mota.”
Outro sugestão de Leça é o Memorial Agostinho Neto investir na virtualidade, “como a Biblioteca Virtual da América Latina, que criamos.” Não se pode mais pensar em uma instituição cultural sem a interatividade e o potencial de expansão que a cultura digital nos dá, ressalta Leça.
A Ministra Rosa Maria Cruz e Silva mostrou-se interessada em “criar mecanismos que possibilitem um intercâmbio cultural de instituições angolanas com o Memorial”. Por sua vez, o Presidente do Memorial colocou o Memorial à disposição não só do nascente Memorial Agostinho Neto, mas de universidades angolanas também, que podem se associar à Cátedra Unesco Memorial da América Latina.
Voltando ao encontro da ministra angolana com Maureen Bisilliat, esta quis saber se o povo angolano ainda se veste com tecidos tradicionais. Ouviu que sim, principalmente no interior. A fotógrafa e documentarista Maureen Bisilliat trabalhou a vida inteira com objetos da cultura material de vários povos. Tem tino e olhar etnológico. É dela a última dica aos angolanos.
“As peças da coleção de arte popular do Memorial foram recolhidas em 1988. São objetos desta época. Não são antigos. Ao conceber o Pavilhão da Criatividade, Darcy Ribeiro quis que dele fizessem parte objetos em uso. Por que assim eles mostrariam a força do fazer dos herdeiros das antigas civilizações pré-colombianas”. Por último, Maureen contou que somente uma peça foi furtada nos 21 anos de existência do Pavilhão da Criatividade, apesar da sua visitação intensa. “Quando a gente mostra ao povo as coisas que são deles, eles respeitam”, ensina (foto abaixo).
Por Eduardo Rascov
Fotos: Daniela Agostini