/governosp
Um grupo de índios Guarani expõe no Memorial da América Latina fotos feitas por eles mesmos. Trata-se de um raro momento em que são eles os protagonistas, pois se colocam atrás das câmaras e deixam de ser apenas o objeto do olhar dos fotógrafos. A mostra “Arandú Porã – Fotografia Guarani” é um coletivo fotográfico de índios Guarani de uma reserva situada no pé da Serra do Mar, na região da praia de Boracéia, no Litoral Norte de São Paulo, a aldeia do Ribeirão Silveira. O entorno tomado entre a franja da Mata Atlântica e as águas do mar tem importância fundamental em sua cosmologia (na foto à esquerda, cortina de água vista de dentro de uma cachoeira). Arandú Porã significa Sabedoria Sensível Guarani-Mbya. Os Guarani fotógrafos participam da abertura, no dia 8, às 19h.
Se até os dias de hoje no Brasil, o homem branco sempre falou do “mundo dos índios”, na forma de ensaios, fotografias, exposições, filmes e palestras, o povo Guarani agora toma a palavra para mostrar o “nosso mundo”, que ele particularmente reconhece como um só, e não dividido entre o mundo dos índios e o mundo dos brancos.
Na tentativa de reverter os impactos causados pela falta de diálogo com a sociedade emergente, as sociedades indígenas contemporâneas vêm se apropriando de códigos não indígenas como operadores estratégicos de interlocução interétnica. No caso do termo “cultura”, ao compreenderem sua dimensão, apropriam-se dela para legitimarem o seu direito perante a sociedade brasileira. A manifestação dacultura de um povo é o que se tem de mais rico. Nela, encontramos suas raízes, sua tradição, a traduçãode seu ethos – o modo de ser, de viver. Adentrar a cultura do outro, apropriando-se de seus códigos para dialogar sobre seu universo não significa transformar a sua própria cultura em outra, mas possibilita-lhes divulgá-la e também de dizê-la a outrem, deixá-la seguir o fluxo natural dos encontros e seus diálogos.
Os índios fotógrafos selecionados para a exposição são jovens Guarani entre 18 e 25 anos fazem parte do Coral Nhemo´E Xãnka. Eles mostram nas fotos o profundo respeito que tem pelo meio ambiente e sua espiritualidade. Seu estilo de vida e cultura aparece naturalmente em suas imagens – não é exagero dizer que eles propõem uma nova relação com a natureza, calcada na reverência de seus ciclos, respeito à fauna e à flora, no cuidado com a água abundante e cristalina da região.
Com o apoio do ProAC da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, o Projeto Arandu Porã convidou o fotógrafo Bruno Schultze (mestrando em Poéticas Visuais na Escola de Comunicação e Artes da USP) para dar a oficina. Ele também é o curador da exposição. Os Guarani tiveram aula de história da fotografia, técnica e edição de imagens digitais e fizeram saídas a campo para colher os registros. A intenção da oficina foi munir os participantes de conhecimentos para dialogar com a sociedade envolvente, por meio da fotografia.
Após a oficina os participantes continuaram fotografando, enriquecendo a cada saída para campo o acervo. A exposição no Memorial dá sentido às atividades da oficina e à sua continuação, além de inaugurar um novo modo de relacionamento entre a comunidade indígena e a sociedade brasileira. A inauguração da exposição conta com a presença no Memorial dos artistas Guarani e de lideranças da Aldeia do Ribeirão Silveira.
Fruto de um projeto da Associação Comunitária Indígena Guarani Tjerú Mirim BA´E Kuaa´i, que defende os interesses dos habitantes da Reserva Indígena do Ribeirão Silveira, entre Bertioga e São Sebastião, o workshop de fotografia na aldeia coincide com a iniciativa dos Guarani, que se encontram em processo de aproximação do restante da sociedade brasileira. A fotografia serve como veículo para essa aproximação.
Os Guarani, co-habitantes das regiões mais densamente povoadas do país, sempre mantiveram uma posição de não enfrentamento com a sociedade envolvente, um dos motivos pelo qual existem até hoje. Geralmente viviam em áreas de mata e à medida que o homem branco lhes disputava suas terras, retiravam-se para áreas ainda preservadas e não habitadas.
A atitude de não enfrentamento, porém, deixou de ser uma opção à medida que os espaços vitais, com florestas preservadas e rios limpos foram escasseando em seu domínio original. Hoje eles vivem em reservas e perceberam que sua relação com o homem branco deve mudar. Com seu espaço vital cada vez mais ocupado pela sociedade envolvente, os Guarani olham para o interior de sua reserva, mas também para fora dos limites da mesma. Seu olhar se volta para o que os toca em questões essenciais, revelando um modo particular de ver “nosso mundo.”
Do ponto de vista da sociedade brasileira, as oficinas fotográficas se justificam por oferecer uma visão dos próprios índios da sua cultura e do mundo que os cerca. A exposição propicia a discussão acerca de valores humanos, espirituais e ecológicos dos índios e de aspetos da formação da cultura brasileira como um todo, tendo em vista que a cultura indígena é parte determinante de sua matriz, que inclui as culturas africana e européia.
Financiado pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, o projeto Arandu Porã é da Associação Comunitária Indígena Guarani Tjerú Mirim BA´E Kuaa´i. Ele tem autoria e coordenação de Teresa Cristina Silveira, mestranda em Antropologia Social pela UFSCAR, que há três anos vem desenvolvendo pesquisa e trabalho junto à comunidade da aldeia. O outro pesquisador é Adriano Ricardo Mergulhão, graduado em Filosofia (Unesp/Marília) e mestrando em Filosofia pela Faculdade São Bento. Cristine Matias de Lima, formada em Filosofia (Unesp/Marília), também é responsável pelo projeto. Carlos Fernandes Guarani é cineasta indígena e coordenador interno do projeto.
Bruno Schultze
Bruno Schultze é um fotógrafo experiente, que já trabalhou em várias revistas brasileiras. Desenvolve um interessante trabalho com retratos. No período que morou na Alemanha, aprimorou sua arte, expôs em galerias e trabalhou em documentários com temática brasileira. Acompanhe um resumo da sua carreira:
* Produtor e Assistente de Direção para os documentários:
“Nous Resterons sur Terre” de Pierre Barougier, filmado em 35 mm no Parque Indígena do Xingú – Mato Grosso , co-produção Tatu Filmes/ Brasil e Gaumont/França – 01/2008.
“Projeto TAMAR” de Felix Heidinger, gravado em Ubatuba/SP e Praia do Forte/BA para a televisão alemão Bayerischer Rundfunk – 10/1999.
“Projeto Mico Leão Dourado” de Felix Heidinger, gravado na Reserva Biológica Poço das Antas em Casimiro de Abreu/RJ para a televisão alemã Bayerischer Rundfunk – 08/1998.
“Reise in den Regenwald,Carl Friedrich von Martius in Brasilien” de Wolfgang Voelker, gravado no Brasil para a televisão alemã Bayerischer Rundfunk 04/1997.
* Exposições Individuais:
“Guarani”, na Câmara de Comércio Brasil/Alemanha em São Paulo – 04/2003
“Zauber in Süd-Bahia”, no Consulado Brasileiro de Munique/ Alemanha – 7/1997
“Fischerdörfer in Bahia”, no Consulado Brasileiro de Munique/Alemanha – 07/1996
* Exposições Coletivas:
“Contemporânea 2003/4” com “Européias” na Mostra de Arte Contemporânea de São José dos Campos http://www.artbr.com.br/galeria_de_arte_isabella_carvalho/index2.htm – 2003.
“Índios de São Paulo” na FFLCH/USP em conjunto com a antropóloga Mariana K. Leal Ferreira, promovida pelo MARI – Grupo de Educação Indígena http://www.usp.br/agen/rede456.htm – 09/1999.
“Strassenbilder”, na Galerie Reile em Munique na Alemanha – 06/1996
Serviço
Exposição Arandú Porá – Fotografia Guarani
De 9 de setembro a 2 de outubro
De terça-feira a domingo, das 9h às 18h
Abertura: dia 8, às 19h, com a presença dos Guarani
Classificação: Livre
Entrada franca
Galeria do Auditório Simon Bolívar
Av. Auro Soares de Moura Andrade 664 (Terminal Barra Funda)