TELEVISÃO

Tem um fantoche na minha TV
Apresentado por pelúcias e bonecos, o telejornal chileno fictício 31 minutos quebra recordes online e segue conquistando gerações pela América Latina
Por Guilherme Favaro e Victória Gurjão
Foto: Acervo 31 Minutos
Colegas de jornalismo na Universidade do Chile, Álvaro Díaz, Juan Manuel Egaña e Pedro Peirano se candidataram, em 2002, a uma bolsa do Conselho Nacional de Televisão do Chile (CNTV) na categoria de seriados infantis. Além da amizade, tinham em comum um senso de humor irreverente e uma ideia inusitada: combinar fantoches, músicas memoráveis e um humor inteligente para comunicar notícias no programa infantil que batizaram como 31 Minutos. Em síntese, um telejornal caótico com referências sutis à realidade social do país e com protagonistas que estavam longe de ser como os personagens tipicamente retratados na televisão para crianças.
Túlio Triviño (ou Túlio Trivinho, na dublagem brasileira), o âncora, é um estereótipo cômico de apresentador de telejornal, com terno, gravata e um timbre de repórter. É ele quem comanda o noticiário, apesar de ignorante e distraído. Ao seu lado, seu amigo e jornalista “estrela” Juan Carlos Bodoque traz denúncias sobre os danos ao meio ambiente e matérias de cunho ambiental no Nota Verde, seu segmento. Os dois representam apenas uma pequena fração da diversidade de personalidades que habitam a fauna de 31 Minutos, cuja riqueza está no fato de muitos personagens fazerem referências à cultura chilena, que aparece desde os nomes e trocadilhos até na aparência única dos fantoches.
No Brasil, a produção já foi exibida pela emissora Nickelodeon e pelo Cartoon Network. E por aqui, tal como nos demais países da América Latina, 31 Minutos reuniu uma legião de fãs não só por seus episódios, mas também por seus álbuns, apresentações ao vivo em teatros e uma exposição em comemoração aos 20 anos da série com ingressos esgotados no Chile e no México. Nas redes, a conta oficial possui mais de 1,4 milhão de seguidores e uma fã-base fiel, como é o caso do mexicano Anthony Salazar.
Dono do perfil @cosasdeminuteros, um fã-clube com quase 200 mil seguidores, Salazar é membro ativo da comunidade “minuteira” e resume o programa em uma palavra: originalidade. Nas músicas e na forma de mostrar o telejornalismo de um jeito único, há uma identificação com experiências que parecem próximas e esteticamente latino-americanas. [Elas] refletem coisas que acontecem bem no nosso quintal”, pontua o marionetista de 22 anos. Essa autenticidade, aliás, não se limita ao estilo visual ou musical, mas também se manifesta na maneira como o projeto se relaciona com a sua audiência, fazendo os brasileiros recordarem de duas produções irreverentes e de muito sucesso nos anos 1990: Castelo Rá-Tim-Bum e Cocoricó, ambas produzidas pela TV Cultura.
Grande parte da magia do programa 31 Minutos está em não subestimar seu público e a valorizar um fato que tende a passar despercebido em muitos conteúdos infanto-juvenis: criança pensa, e muito. Aqui, não existe assunto que não possa ser traduzido ou piada que, entendendo o contexto, seja impossível de ser feita na voz de Túlio e tantos outros personagens. O que destaca o telejornal de fantoches em um mar de desenhos e sitcoms infantis é a vontade de falar para as crianças de igual para igual, com um humor afiado que evita se infantilizar e permite que a audiência embarque nas histórias malucas da série sem que tudo seja mastigado ou simplificado.
Pablo Ilabaca, compositor e produtor musical da franquia, entende que o charme no tom único de 31 Minutos está em dar voz a vivências universais. Quem nunca teve um corte de cabelo feio, por exemplo? É sobre isso que canta o fantoche Chascoberto em Me cortaron mal el pelo (“Cortaram mal o meu cabelo”, na versão brasileira), em uma das várias canções icônicas da série. Como adultos, Pablo e os criadores reviveram seus tempos de criança para relembrar situações e temáticas que dialogam com todos. Ilabaca mesmo pontua: “As crianças também fazem parte da cultura, e precisamos inseri-las nos temas e nas memórias. E 31 Minutos não deixa ninguém ficar parado”.
Duas décadas após a exibição original, as produções oficiais seguem a todo vapor e novas portas se abrem. Além de um novo filme a caminho e um extenso catálogo de shows e produtos, 31 Minutos se apresentou em outubro no Tiny Desk, programa da rádio NPR em Washington, nos EUA. Parte de uma celebração de música latina, a sessão bateu o recorde como um dos vídeos mais vistos do projeto em um intervalo de 24 horas, com quase 3 milhões de visualizações. Em 2026, se apresentarão pela quarta vez no Lollapalooza Chile.
Nesse legado em expansão, novas metas não param de surgir. Nas palavras de Ilabaca, tocar em solo brasileiro “seria um sonho”, e o artista por trás dos grandes hits da franquia afirma que espera que a equipe possa visitar o Brasil em breve. Para adultos e pequenos, o programa continua a conquistar gerações, seguindo vivos, coloridos e felpudos.

