CAPA

Para além do melodrama
O sucesso das tramas nacionais no exterior continua sendo um poderoso ativo cultural que atrai turistas, molda a imagem do país e movimenta a economia
Por Julyana Barradas
Para compreender como as novelas brasileiras fazem tanto sucesso por aqui e também lá fora, primeiro é preciso entender do que se trata o soft power. O termo cunhado pelo cientista político estadunidense, Joseph Nye, consiste na capacidade de um país influenciar as preferências de outros por meio da atração e persuasão, em vez da coerção. Dentro dessa lógica, o Brasil tem como principais vetores de soft power cultural o futebol, o Carnaval e as novelas. A última, devido a popularização do streaming, tem dividido espaço com as produções mexicanas, turcas e sul-coreanas, mas continua tendo sua relevância quando o assunto é melodrama.
Como parte do imaginário popular, não é difícil encontrar um brasileiro que já tenha visto ou ouvido falar de alguma novela exibida na TV, especialmente durante a sua infância e/ou adolescência. Por muitos anos a TV aberta era o principal entretenimento doméstico no país, sua influência era tamanha que tinha o poder de interferir no cotidiano, como no comportamento e moda, com destaque para as décadas que vão de 1970 a 2000. O censo demográfico nacional do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) realizado nos anos 1980 consta que de um total de 26,4 milhões de domicílios, 55% já tinham um televisor e entre os anos 1960 e 1980, o aumento da presença das telinhas nos lares brasileiros foi de 1272%, formando assim uma geração de noveleiros.
A jornalista e criadora de conteúdo, Filomena Ferreto, se considera uma noveleira de carteirinha: ela diz que sempre acompanhou TV desde criança e que segundo a sua mãe, ela amava a abertura de As filhas da mãe, novela de Silvio de Abreu, de 2001. Sua família também era bem noveleira, e que por causa disso, continua acompanhando o gênero e conhecendo muito da cultura nacional através dele. “Estou na internet há dez anos e já fiz conteúdo sobre várias coisas que nada tem a ver com novelas, porém, de 2020 para cá, acabei mudando todo meu conteúdo e me dedico totalmente a televisão e novelas. Na página trago memórias sobre a televisão brasileira e também nas minhas threads do Twitter, onde posso explorar novelas que já não existem mais.”
Contudo, antes da internet e sendo a Rede Globo a maior emissora do país, o caminho para a exportação das produções folhetinescas estava mais do que aberto. Com isso, a primeira novela a cruzar o Atlântico foi O bem amado, a história de Odorico Paraguaçu, um político populista da cidade fictícia de Sucupira, exibida em 1973 e assinada por Dias Gomes. Enquanto as soap operas estadunidenses são tramas mais maniqueístas (bem versus mal), as novelas brasileiras misturam o melodrama universal (paixão, vingança, sacrifício) com a cultura local. As tramas abordam questões sociais, urbanas e contemporâneas, o que facilita a identificação de espectadores diversos. O público estrangeiro não apenas se emociona com as tramas, mas também tem um vislumbre do cotidiano e da identidade cultural brasileira, fazendo com que o país seja um destino turístico muito procurado.
Hoje, a Globo continua exportando suas novelas para mais de cem países, destaque para Portugal e Argentina, onde a campeã de audiência é Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro, exibida em 2012. A produção costuma repetir em terras estrangeiras o feito da sua exibição original ou até mesmo superar a audiência. Além da trama de João Emanuel Carneiro, outros títulos de sucesso cruzaram as fronteiras, como Laços de família (Manoel Carlos, 2000); Império (Aguinaldo Silva, 2011); Caminho das Índias (Glória Perez, 2009); A vida da gente (Lícia Manzo, 2011), e Totalmente demais (Rosane Svartman e Paulo Halm, 2016).
Mesmo diante de novas plataformas, formatos e hábitos de consumo, as novelas seguem ocupando um lugar de destaque na cultura brasileira e na memória afetiva coletiva. O gênero, que moldou comportamentos, refletiu transformações sociais e projetou o Brasil para o mundo, continua se reinventando.
Com o avanço do streaming, tramas clássicas têm ganhado novas audiências, enquanto produções recentes alcançam territórios antes inimagináveis, principalmente no universo dos memes na internet, algo que reafirma o poder das narrativas nacionais em traduzir a complexidade e a emoção do país, seja no enredo de um bairro fictício, nas relações familiares ou nas disputas de poder que espelham a realidade.

