COLUNA
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João Carlos Corrêa

Diretor de Atividades Culturais da Fundação Memorial da América Latina

Especialista em Gestão Cultural (PUC-Rio) e em Jornalismo Cultural e de Entretenimento (Belas Artes-SP); mestrando em Gestão e Políticas Públicas (IDP-SP) e em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (PROLAM-USP).

Cidades MIL em São Paulo, pessoas no centro da urbe inteligente

Cidades que dão certo não contam apenas com a burocracia e criam rotinas que aproximam governo e sociedade, organizam a informação pública e formam cidadãos capazes de interpretar o mundo. Esse é o coração do paradigma Cidades MIL, cuja sigla remete à alfabetização midiática e informacional. Em linguagem direta, significa aprender a ler e produzir informação com qualidade, participar com voz ativa e exigir transparência que se sustente no dia a dia.

O Estado de São Paulo reúne condições singulares para essa virada, dispondo de uma grande rede de equipamentos culturais, universidades e escolas técnicas, e tendo forte presença do setor criativo. Ademais, abriga uma rica comunidade latino-americana, com representações consulares ativas. Nesse ecossistema, o Memorial da América Latina tem total vocação para operar como ponto de encontro entre políticas públicas e práticas culturais. É uma proposta concreta de organização do trabalho que conecta conhecimento, participação e desenvolvimento.

Foto: Adobe Stock

Acredito que adotar Cidades MIL é um passo natural para a missão do Memorial. Ao promover a integração com nossos vizinhos, o Memorial lida diariamente com circulação de ideias, diversidade de línguas e disputas de sentido. A abordagem MIL nos ajuda a transformar isso em método.

Para São Paulo, isso significa, na prática, que a informação cultural precisa ser clara, atualizada e comparável. Programações, editais, dados de público e investimentos podem estar disponíveis em formatos simples, com explicações fáceis de compreender e com recursos de acessibilidade. Significa abrir canais estruturados de participação que não se esgotam em uma audiência única.

Significa também seguir investindo na formação não só de leitores convencionais, mas também de leitores de mídia digital, uma vez que o Memorial já produz e promove livros, revistas, curadorias e encontros literários nos mais diversos formatos. Dentro do conceito MIL, esse trabalho passa a priorizar o bilinguismo português e espanhol quando fizer sentido, a diversidade de autores latino-americanos e as mediações que ajudem o público a identificar fontes confiáveis e a reconhecer a desinformação. O efeito é direto no cotidiano. Jovens que participam de oficinas e clubes de leitura com esse foco passam a consumir cultura com repertório ampliado e a disputar espaços de fala com mais autonomia.

Há um ganho adicional que costuma escapar do radar, que é a percepção de que processos MIL bem desenhados fortalecem a economia criativa. Quando a comunicação pública é clara, quando os dados são abertos e quando a participação é levada a sério, os circuitos culturais ficam mais previsíveis para artistas, produtores e empreendedores. Neste cenário, editais são melhor compreendidos e programações alcançam públicos que antes não se viam representados, e a própria compra pública se torna mais transparente.

O Memorial pode puxar esse movimento em parceria com a Secretaria de Cultura, com a Educação e com universidades. O caminho começa pequeno para não parar no meio. Um piloto é suficiente para provar valor. Escolhe-se um conjunto de ações ao longo de alguns meses e acordam-se metas simples e verificáveis. Com clareza de linguagem em todos os materiais e publicação proativa de dados essenciais, acrescido de uma agenda fixa de escuta com devolutivas públicas, o próximo passo é estabelecer os protocolos de acessibilidade a serem implementados e o método de avaliação periódica com flexibilidade para ajustes rápidos. A cada ciclo, mais um degrau.

A presença dos consulados latino-americanos em São Paulo amplia o alcance desse esforço, convertendo-se em pontes para escolas, bibliotecas, festivais e editoras de seus países. Com curadoria responsável, não é impossível sonhar com a renovação da imagem do continente que apresentamos ao público paulista, ao tempo em que escapamos de estereótipos e aproximamos novas gerações dos temas que nos unem.

O Memorial da América Latina seguirá defendendo que São Paulo tem vocação para liderar esse processo, em diálogo com a experiência de nossos vizinhos. Adotar Cidades MIL é uma escolha de gestão que nos aproxima do melhor que já fazemos e corrige o que ainda falta. A hora de experimentar é agora e o risco de não fazer é o de continuar tratando a comunicação como fim e não como o instrumento que habilita cidadania, cultura e desenvolvimento.