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Paul Leduc é o grande homenageado do 2º Festival de Cinema Latino Americano de São Paulo (programe-se), que está sendo realizado pela Fundação Memorial da América Latina e vai até 29 de julho. Por que a escolha do cineasta mexicano? “O Festival é um ato político”, diz o ex-Secretário de Cultura de São Paulo João Batista de Andrade, curador da mostra. E, para quem viu “Reed, México Insurgente”, exibido na sala 2 do Memorial na terça, 24, não resta dúvida de que Leduc faz um cinema político, comprometido em compreender a realidade.
João Batista destacou o paradoxo atual do cinema mexicano. Por um lado, teve ampla divulgação com duas películas incluídas na festa do Oscar deste ano. Por outro, menos de 10% das pessoas que foram ao cinema em seu país assistiram filmes nacionais. Muito diferente de um passado não tão distante. Segundo Paul Leduc, nos anos 40 e 50 o México desenvolveu uma forte indústria cinematográfica.
“Meu filme é do séc. XVII, muito antes de vocês terem nascido”, disse brincando Leduc à platéia que foi assistir “Reed, México Insurgente”. “Naquela época eu tinha a idade média de vocês”. O filme foi feito em 1973. “Mas o que o torna atual é observar a relação de um personagem – que pode ser um intelectual ou um jornalista – com um movimento social”. De fato, seu filme mostra o progressivo envolvimento do jornalista norte-americano John Reed com o confuso processo revolucionário mexicano. Um dos méritos da obra é não idealizar os revolucionários, apresentando suas contradições.
A película culmina com a tomada de uma cidade. Reed perambula pelas ruas semi-desertas. Aqui e ali vemos milicianos iniciando o saque. A câmara o observa de dentro de uma loja quando, repentinamente, ele vira-se e, com a mão forte, estoura a vitrine. Era o exato momento que John Reed deixa o jornalismo e inicia a militância política.
Paul Leduc profere aula magna neste sábado, 28 de julho, às 14 horas, no mini-auditório do Anexo dos Congressistas, com entrada franca. Como tira-gosto, antes da sessão de “Reed, México Insurgente”, ele contou algumas das peripécias para filmá-lo. No início dos anos 70, o país tinha um sindicato de cineastas que era um verdadeiro clube do bolinha: “Para ser aceito pelo sindicato, você tinha que ter feito um filme que tivesse pelo menos 5 semanas de filmagem e custado pelo menos 1 milhão de pesos. Ora, para você conseguir um milhão de pesos era necessário fazer parte do sindicato…”
O jeito foi fazer um filme barato (meio milhão de pesos), apesar de “Reed, México Insurgente” ter ares de superprodução, com seqüências de batalhas, perseguição a cavalo e cenas em trem. “Para driblar o sindicato filmamos em 16mm e depois passamos para 35mm” conta Leduc, “um filme “normal” no México daquela época, como o que estavam fazendo sobre Zapata, saia por não menos do que 14 milhões de pesos. Mas a gente usou pessoas comuns como atores, conseguimos de graça o trem, a fazenda, os cavalos…”
Bem humorado e provocador, o cineasta mexicano concedeu a seguinte entrevista exclusiva ao site do Memorial:
O senhor vai assistir aos filmes da mostra?
Não. Não assisto mais a filmes.
Por que?
Porque eles fazem mal à saúde (risos).
Mas pelo menos o senhor faz filmes?
Sim, mas fazer também faz mal à saúde (mais risos).
O senhor disse há pouco mais de 10 anos a uma jornalista brasileira (Maria do Rosário Caetano in “Cineastas Latino Americanos – entrevistas e filmes”, Estação Liberdade, São Paulo, 1997) que “o cinema acabou”. Ainda pensa assim?
Não. Naquele momento eu estava pessoalmente farto de fazer cinema. Dizia que cinema era uma doença curável da qual eu estava curado. A gente encontrava muitas dificuldades para filmar. Até no Brasil tive uma película rechaçada. Estava cansado de viver como cineasta latino-americano, obrigado constantemente a ir a França ou Espanha buscar financiamento, editar a película em outro lugar. Meu filho dizia, quando via um avião no alto, “olha, lá está o papá”.
Não era uma crise com a linguagem cinematográfica?
Não, era uma questão pessoal. Ao mesmo tempo o cinema não era mais a universidade que tinha sido para mim. Eu me formei vendo cinema brasileiro, japonês, de toda parte. Era essa diversidade que eu gostava no cinema e que não existia mais.
Daí o senhor se dedicou à animação gráfica?
Foi para minha diversão. É uma maneira totalmente diferente de trabalhar. Tem outro ritmo de fazer as coisas. Nesta mostra serão exibidos meus infantis “Os animais” e “A flauta de Bartolo”.
A situação mudou? Atualmente o senhor está fazendo o quê?
Faz alguns anos que li um conto de Rubem Fonseca, “O cobrador”, e resolvi filma-lo. Ele tem um impacto muito forte porque toca o tema que mais me preocupa no momento – a violência da vida social. O filme está pronto, mas não vai passar neste festival porque não tinha cópia disponível em 35 mm.
O senhor havia dito que o cinema latino-americano estava condenado ou reduzido aos circuito de festivais. Continua assim?
Não é só o cinema latino-americano. Todas as cinematografias nacionais, tudo o que não é hollywood, é muito difícil ser exibido. Infelizmente, continua sendo raro assistir os filmes brasileiros, salvo nas cinematecas ou festivais. Mesmo o cinema mexicano, que chegou ao Oscar…
O senhor achou isso bom, o fato de dois diretores mexicanos concorrerem ao Oscar deste ano?
É um fato quase inevitável que cineastas jovens, que não podiam fazer seu filme em seu país, tenham que sair.
Mas eles perderam algumas das características do cinema mexicano?
Afortunadamente, não perderam talento. Aguns deles anunciaram que desejam voltar e filmar no México. Me parece que são duas realidades cinematográficas diferentes, o que passa com o cinema no México e o que passa com cineastas mexicanos que filmam nos EUA. O México é o maior exportador de trabalhadores ao EUA. Vão muito camponeses e servidores braçais, mas também vão físicos nucleares. Por que não iriam cineastas?
Na sua avaliação qual a importância de um festival como esse que o Memorial está organizando pelo segundo ano consecutivo na maior cidade do Brasil?
É importante que exista em São Paulo um festival como este. Espero que ele cresça e ocupe o papel que foi durante muito tempo do Festival de Havana – um lugar de debate de idéias, encontro de gerações diferentes de realizadores e de revelação de novos diretores latino-americanos.
1ª Mesa de debates: Cena Aberta (audio)
2° Mesa de debates: Parcerias (audio)
3ª mesa de debates : Formas de patrocínio: a experiência de alguns países latino-americanos (audio)
Ensino cinematográfico foi tema da 4° mesa de debates do festival
5° mesa: Diretores de fotografia definen-se como ilusionistas
Pagina de apresentação do 2º Festival de Cinema Latino Americano de São Paulo