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Documentário trouxe momentos marcantes da carreira pública de Montoro
André Franco Montoro foi lembrado em grande estilo ontem no Memorial da América Latina. O seminário O Legado de Franco Montoro reuniu autoridades, políticos, intelectuais, velhos companheiros, amigos e familiares do ex-governador. Entre eles, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador José Serra, o vice-governador Alberto Goldmann, o prefeito Gilberto Kassab, os secretários estaduais Francisco Graziani (Meio Ambiente) e Ronaldo Marzagão (Segurança) e o secretário municipal Floriano Pesaro (Assistência e Desenvolvimento Social). E os filhos de Montoro, Ricardo, André, Eugênio, Paulo, Fernando e Mônica.
Democrático, intelectualizado, descentralizador, ligado nas necessidades populares, cosmopolita, comunicador, sintonizado nas novas tendências, persistente, generoso. Estas são algumas das qualidades apontadas pelos participantes do seminário do ex-governador que se transformou na grande liderança da sua geração e inspiração para os homens públicos de hoje e amanhã.
O evento, que incluiu exposição biográfica e projeção de documentário, foi aberto por Fernando Leça, presidente do Memorial, que pediu um minuto de silêncio em homenagem a Montoro, no exato dia, 16 de julho, que completa 8 anos de sua morte. Em seguida, Leça lembrou que o projeto O Legado de Franco Montoro começou em maio, com a gravação de cerca de 100 entrevistas sobre o ex-governador. “Em outubro, lançaremos um livro com o principal dos depoimentos e a íntegra desse seminário, que é a nossa maneira de contribuir para que o legado de Franco Montoro continue a se expandir e chegue às novas gerações”, anunciou Leça.
A primeira mesa foi coordenada por José Aristodemo Pinotti, e contou com o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Muylaert e Rubens Barbosa. Eles discutiram temas como a liderança política, a prática docente e o latente latino-americanismo do homenageado. Após a exibição de documentário feito por um dos netos de Montoro, Fernando Henrique tomou a palavra para expressar sua saudade da figura humana do ex-governador. Segundo FHC, Montoro filia-se à linha política de grandes homens públicos do passado, que aliavam à prática política uma intensa vida intelectual, como José Bonifácio e Joaquim Nabuco.
Para FHC, Montoro foi a referência em toda a sua trajetória política. Fernando Henrique destacou a teimosia de Montoro como a grande responsável pela campanha das Diretas-Já, em 1984. “Ele dizia, ninguém mora no país, todo mundo mora no município” e a partir daí criou projetos interessantes, como os sacolões e a horta comunitária. “Montoro era adepto das utopias viáveis, para ele a política não era a arte do possível, mas sim a arte de tornar possível o necessário. Quem é grande deixa semente”, concluiu FHC.
O senador chileno Andrés Zaldívar Larrain, destacada figura no processo de redemocratização daquele país, coordenou a segunda mesa, que abordou temas como o plano de governo, a filosofia descentralizadora e as ações de governo de André Franco Montoro. Marcos Giannetti da Fonseca, José Augusto Guilhon de Albuquerque e o governador José Serra fizeram a discussão.
O governador José Serra fechou o seminário destacando oito tópicos que, segundo ele, se destacavam na vida pública de Franco Montoro. “Eles se complementavam, eram os vários lados do mesmo poliedro montoroniano”, disse. O primeiro tem a ver com os “atributos de um homem público”. Serra explicou que há três tipos de líderes, “aqueles que conseguem mobilizar as grandes massas”, os “realizadores” e os se destacam pela capacidade de “combate”. “Dificilmente um mesmo líder reúne as três características, mas Montoro foi um grande líder de massas, um governante realizador e um grande combatente da ditadura”.
A segunda característica de Montoro apontada por Serra é ele ser, ao mesmo tempo, um homem de idéias e um homem de ação. “Normalmente, o homem de idéias é pouco prático e o homem de ação acaba engolido pela prática.” Em seguida, Serra apontou o terceiro atributo de Montoro: ele superou a aporia austeridade versus realizações e conseguiu a estabilidade orçamentária e o desenvolvimento do Estado, com grandes obras como as hidrovias e os quilômetros de estradas viscinais.
Coerência entre campanha eleitoral e governo, segundo Serra, marcou a gestão de Montoro (4ª característica). “Enquanto me parece que no mundo todo, mas principalmente no Brasil, a campanha é entendida como um tudo ou nada e o governo em si é visto como uma miragem distante, Montoro inovou incluindo a participação popular antes das eleições, que na prática se traduziu num programa realista” que, segundo Serra, foi efetivamente colocado em prática.
Outra qualidade de Montoro (a 5ª) presente no discurso do governador Serra foi o equilíbrio entre o binômio democracia e participação popular. Ele apoiou a participação direta, como complemento à democracia representativa, sem, no entanto, jamais cair no perigoso “assembleísmo”. Em seguida Serra abordou a questão do Poder versus a Onipotência (6º). Enquanto a maioria dos políticos apelava e apela à “moeda pura do poder de fato” ou “o poder da caneta”, como se diz, Montoro preferia o convencimento, a adesão às suas idéias e ações. Segundo Serra, um dos segredos era que o ex-governador se nutria da capacidade de aprender com os seus colaboradores e nunca concorria com os seus subordinados.
A sétima questão é a da “diversidade”. Mesmo diante da oposição aos seus pensamentos, o ex-governador apostava na convergência a longo prazo. “A ausência de consenso não levava à ruptura”. A campanha das Diretas Já foi um exemplo. No início, os principais líderes da oposição eram contra afrontar o governo militar naquele momento. Montoro insistiu, assumiu a responsabilidade praticamente sozinho e organizou o grande comício de 25 de janeiro de 1984. O tempo mostrou que ele estava certo.
Por último, o governador Serra apontou a generosidade como o oitavo atributo de André Franco Montoro. “Na seqüência da Campanha das Diretas Já, Montoro era o candidato natural a presidente. Mas ele sabia que o então governador de Minas Gerais Tancredo Neves era mais viável, por suas ligações com setores moderados das Forças Armadas. Por isso, ele antecipou-se e tomou a decisão solitária de apoiar e conduzir Tancredo ao Colégio Eleitoral”.
Serra encerrou seu discurso lembrando que em 1989 – na primeira eleição direta a presidente depois do golpe de 1964 – ninguém seguiu o exemplo de Montoro. Houve uma pulverização de candidatos, que levou à vitória de Fernando Collor, “que levou o país ao abismo”. Leia a íntegra do discurso.
Após o seminário, foi assinado termo de doação ao Memorial do acervo do ILAM – Instituto Latino Americano (instituição criada por Montoro). Em seguida, ao som do CUCA, Coral da PUC-SP, que se apresentou no hall da biblioteca, todos percorreram a exposição O Legado de Franco Montoro, e puderam rever a trajetória do líder através de fotos, livros, documentos e a exibição contínua de um documentário, no qual dezenas de ex-colaboradores, velhos companheiros políticos, familiares e amigos falam sobre o mestre da democracia brasileira.
Confira artigos e depoimentos sobre Franco Montoro
Confira o audio das falas do seminário
Conheça um pouco da exposição que homenageia Montoro
O “poliedro montoroniano”, segundo José Serra
Fotos: Roberto Nemanis