/governosp
São Paulo, 23 de maio de 2009.
Em 27 de maio de 1812, um grupo de mulheres bolivianas de Cochabamba enfrentou as tropas espanholas comandadas pelo general Manuel Goyeneche em um cerro chamado Coronilla. Esse grupo de mulheres bolivianas foi liderado por Manuela Gandarillas, uma anciã cega, e tinha como lema “¡Nuestro hogar es sagrado!”. Elas não pensaram duas vezes em entregar suas vidas para defender suas casas e famílias. O país iniciava seu processo de Independência, que iria se consolidar somente em 1825, com a decisiva participação de Simón Bolívar. No local do confronto, foi erigido um monumento em homenagem às heroínas.
Hoje, 187 anos, milhares de bolivianos migraram para São Paulo e aqui trabalham duro. Vivem uma vida de privações para juntar um dinheirinho e enviar a seus familiares na Bolívia. Aqui eles acharam um segmento de mercado para ocupar – é o de confecções. Os trabalhadores bolivianos – muitos deles sem documentos oficiais que lhes permitam registro em carteira – são principalmente costureiros.
Eles se organizam em oficinas de até 12 costureiros e fazem pesadas jornadas que entram na noite. O que os move é o mesmo sonho que trouxe milhões de europeus e asiáticos ao Brasil nas últimas e primeiras décadas dos séculos XIX e XX. Ganhar um dinheiro, fazer a vida, e voltar para casa. Naturalmente, para se manter, essa rede de pequenas oficinas de costura precisa de encomendas para sobreviver. E alguns empresários brasileiros têm desempenhado um importante papel nessa economia informal que prolifera na cidade quase clandestina.
As informações acima são importantes para se entender o que ocorreu no Memorial no sábado, 23 de maio, organizado pelo consulado boliviano. O Pavilhão da Criatividade do Memorial da América Latina foi o local escolhido para sediar a Homenagem às Heroínas da Coronilla e também às mães bolivianas – mais especificamente aquelas que trabalham em oficinas de costuras bolivianas espalhadas por São Paulo.
A festa contou com a participação do grupo de dança folclórica boliviana Raza India. Formada por bolivianos residentes em São Paulo e seus descendetnes, a banda se dedica a manter vivos os ritmos e danças folclóricas da Bolívia, como as morenadas, timbós, tonadas e taquiraris. Com suas multicoloridas roupas tradicionais, eles dançaram não apenas ritmos andinos, mas também, à moda gaúcha, a dança proveniente da províncida de Tarija, no Chaco boliviano, na fronteira com a Argentina.
O Consulado Geral da Bolívia homenageou um empresário e estilista brasileiro – Pedro Mota – que contrata os serviços de 50 oficinas de costura boliviana (nas fotos abaixo, ao lado do Cônsul Geral da Bolívia, Jayme Valdivia, e de dois de seus funcionários). É uma forma de reconhecer o apoio oferecido aos trabalhadores bolivianos em São Paulo. Pedro Motta não apenas usa a mão de obra boliviana, mas começa a interagir com a cultura desse país. "Estava combinando com o consulado agora mesmo e vou me encontrar com uma estilista boliviana para a gente trocar influências", contou. "A roupa tradicional deles é maravilhosa".
Pedro Motta começou a trabalhar com costureiros bolivianos há 7 anos. "Eles foram surgindo e gostei do trabalho", conta. Emílio Tola é um deles. Ele veio ao Brasil apenas para trabalhar por um ano e voltar ao seu país. "Mas já estou há 7anos, sendo que cinco entregando costuras para a confecção de Pedro Mota", diz ele que mantém uma oficina em sua casa que emprega outras costureiras bolivianas.
Luciana Silva é uma funcionária brasileira de Pedro Motta que, junto com outras, fazem um trabalho de "intercâmbio cultural" com as bolivianas, verdadeira ponte entre as nações, superando barreiras lingüísticas, culturais e preconceitos. "Vamos nas oficinas de costura delas levar ou buscar encomendas. Quando não entendemos alguma coisa ou não nos fazemos entender, levamos um boliviano que está há mais tempo no Brasil como intérprete". Pedro Motta trabalha com os mesmos bolivianos há anos, o que possibilitou que eles regularisassem seus documentos.
Os trabalhadores bolivianos em São Paulo, a maioria das vezes, não têm condições de abrir conta em banco, pois estão sem documentos. Guardavam sua renda no colchão. O que era perigoso e ficava sujeito à desvalorização. Surgiu então o serviço de uma espécie de banco, que criou os vales de “transferência” de fundos, denominada "Remessa Expressa" mediante o pagamento de uma taxa. É essa instituição – chamdo Banco Rendimento – quem patrocinou o evento no Memorial. Ao final, os oficineiros bolivianos ganharam vales de transferência gratuitos. A confraternização foi encerrada com salteñas.
Por Eduardo Rascov
Fotos de Fábio Pagan (com exceção da 2ª e da última)