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São Paulo, 22 de março de 2010.
Com o habitual entusiasmo, o professor Roberto Rodrigues abriu os trabalhos do 5º Módulo da Cátedra Unesco Memorial da América Latina, na manhã desta segunda-feira, 22 de março, na Biblioteca Latino-Americana Victor Civita. Ele é o catedrático em exercício que orienta a partir de hoje 110 alunos de pós-graduação, incluindo um bolsista mexicano, na análise do tema “Agronegócio na América Latina: desafios e oportunidades”. Rodrigues alia grande conhecimento teórico das questões agrárias (é professor da Unesp e da Fundação Getúlio Vargas) ao pragmatismo, pois além de ser fazendeiro, foi o titular do Ministério da Agricultura no primeiro governo Lula, entre outros cargos na gestão pública.
O professor Roberto Rodrigues convidou uma bancada de especialistas para falar sobre o tema. A palestra propriamente dita foi proferida pelo embaixador José Botafogo Gonçalves, atual presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, CEBRI. Em sua longa carreira diplomática e política, Botafogo ocupou vários cargos que o tornaram especialmente um profundo conhecedor das questões que envolvem o Mercosul. Vale lembrar, ele foi Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil na gestão Fernando Henrique Cardoso, Secretário Executivo da Camex, Embaixador Especial para Assuntos do Mercosul e embaixador
em Buenos Aires , entre 2002 e 2004.
Para debater com essas duas personalidades, o escolhido foi Célio Brovino Porto, atual Secretário de Relações Internacionais de Agronegócio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, de Brasília. Na platéia, além de estudantes e pesquisadores, ocupavam a primeira fileira algumas autoridades no tema, como Antonio Roque Dechen, diretor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq), Adolpho José Melfi, coordenador da Cátedra Unesco Memorial da América Latina e ex-reitor da USP, Vincent Defourny, representante da Unesco no Brasil, Carlos Antonio Gamero, Chefe de Gabinete da Reitoria da Unesp, e Alejandro Roy, diretor de comunicação da Repsol do Brasil, entre outros.
A Cátedra Unesco Memorial da América Latina é uma iniciativa da Fundação Memorial, em conjunto com as 3 universidades públicas paulistas – USP, Unicamp e Unesp – e uma rede de apoiadores. Seu objetivo é estudar, sob a perspectiva de integração, as grandes questões do subcontinente latino-americano, como energia, meio-ambiente, ciência/tecnologia, logística, cadeias produtivas, políticas de inclusão e distribuição de renda, agronegócio etc.
Ao dar as boas vindas aos presentes, o presidente do Memorial, Fernando Leça, lembrou que a idéia de criar uma cátedra de estudos da América Latina lhe foi sugerida pelos reitores da USP, Unicamp e Unesp no dia da sua posse, em 1º de março de 2005. Ela teria “a concretude e o pragmatismo” como diferencial. Com a chancela Unesco, recém adquirida, após um longo processo de avaliação, Leça espera “que a Cátedra Unesco Memorial consiga mais apoio, se fortaleça e se internacionalize”.
O representante da Unesco no Brasil, Vincent Defourny, manifestou sua alegria pelo fato da Unesco apoiar uma cátedra que envolve “três grandes universidades”. Como elas trabalham grandes temas na perspectiva da integração na América Latina, “faz todo sentido ela acontecer no Memorial da América Latina”. Defourny ressaltou que na sociedade do conhecimento, que é a nossa, as universidades têm que trabalhar em rede. “Uma rede de universidades latino-americanas é um sonho nosso”, confessou.
José Adolpho Melfi, coordenador da Cátedra Unesco Memorial da América Latina, ressaltou que o agronegócio é responsável por quase 30% do PIB nacional. Segundo Melfi, um dos objetivos da Cátedra Unesco Memorial é esquadrinhar os diferentes cenários para as mudanças climáticas que vêm aí. “Devemos avaliar o impacto e nos prepara para isso com muito cuidado”, advertiu.
Nessa linha, o professor Roberto Rodrigues mencionou estudo da FAO dando conta que “até 2050, vamos precisar aumentar a produção mundial de alimentos em 70% se quisermos alimentar toda a população”. Outra medida que dá a dimensão do potencial do setor agrícola é a comparação entre o ocidente e a China e a Índia. “Na Europa e nos EUA há 50 carros para cada 100 habitantes. A China e a Índia tem 3 carros para cada 100 habitantes. Ou seja, a demanda vai aumentar muito, pois esses países estão
em desenvolvimento. Isso significa dizer que a procura por energia será maior do que a por alimentos. Ora, a grande alternativa é o biocombustível produzido na América do Sul.”
Em sua palestra, cujo tema era “Integração Continental: Macroeconomia, políticas setoriais e infra-estrutura; agregação de valor; Mercosul e acordos bilaterais; gargalos”, o embaixador Botafogo Gonçalves lembrou àqueles que ainda têm dúvidas que a integração latino-americana é uma obrigação constitucional. Mas, para Botafogo, atualmente há uma desorientação na estrada da integração. “Ao invés de pavimentar o caminho, resolvendo uma série de “pequenas questões”, que ficaram para trás, hoje se quer criar novos organismos, como a Unasul, Bando do Sul, “OEA do B”…
Botafogo alinhavou as principais dificuldades para a integração, a começar no Mercosul, com assimetrias evidentes. “Mas o Mercosul é uma tentativa de facilitar uma integração que virá de qualquer maneira”, ressalta. Segundo ele, o ciclo virtuoso da integração começa, necessariamente, com maior comércio entre os países, em seguida vem maiores investimentos, que resulta em melhor infra-estrutura, que possibilita mais comercio e atrai mais investimento… e assim sucessivamente. Nesse circuito, o Brasil é o grande investidor.
Já Célio Brovino Porto, titular da Secretaria de Relações Internacionais de Agronegócios, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, apontou as dificuldades que o Brasil tem enfrentado para aprofundar a integração e o escoamento de sua produção agrícola para os países da América do Sul. Segundo ele, tradicionalmente, somos mais ligados aos países ricos. Desde a colonização, a população se concentra no litoral, para aonde correm as estradas. Daí, as questões logísticas. Como exportar para os países andinos, por exemplo?
Uma das dificuldades apontadas por Célio Porto são as de caráter ambientais. Além de se brigar por desmatamento zero na Amazônia, já se fala também em desmatamento zero no cerrado. Ora, de onde vai sair o aumento da produção agrícola para a população mundial, que continua aumentando? Como acertar nas políticas de compensações? Uma boa notícia é a “nova estrada que sai do Acre e vai até o Oceano Pacífico, atravessando o Peru, que deve ficar pronta até o ano que vem e vai abrir novos mercados ao Brasil.
A relação econômica entre países desperta suscetibilidades difíceis de lidar, conta Célio Porto. O fato do Brasil estar comprando empresas em vários países latino-americanos pode ser encarado como integração ou imperalismo? Outro exemplo: o Brasil tem superávit comercial com todos os países da América do Sul. Com a Argentina, chegou a mais de 9 bilhões nos últimos 3 anos. Isso é integração ou dominação?
Por fim, Célio Porto anunciou em primeira mão que o Brasil está criando o cargo de “adido agrícola”, que existirão primeiramente nas representações diplomáticas brasileiras em 8 cidades consideradas estratégicas: Buenos Aires, Washington, Genebra (Organização Mundial do Comércio), Bruxelas (União Européia), Moscou, Pequim, Tóquio, Pretória (África do Sul).
Encerrando a manhã produtiva, antes de abrir para as perguntas finais, o professor Roberto Rodrigues fez uma rápida análise da imagem consolidada da agricultura e do agricultor brasileiro. Usando seu fino senso de humor, ele disse que “o equívoco começou com Pero Vaz de Caminha, que escreveu em sua carta ao Rei Dom Manuel que nesta terra achada em se plantando tudo dá. Não é verdade! Não é verdade! Apenas 7% do território brasileiro tem terra boa. O restante precisa de adubo e tratamento, o que só pode ser feito com crédito e financiamento.
Outro que contribuiu para a péssima imagem da agricultura foi Monteiro Lobato, com o seu personagem Jeca Tatu, que nada mais era do que um agricultor preguiçoso. Segundo Rodrigues, isso até tinha certa razão, porque antigamente a família de fazendeiros padrão mandava o filho mais inteligente estudar para ser médico, o outro seria advogado, o terceiro, engenheiro, o quarto, padre e o mais burrinho ficava em casa, tocando a fazenda. O fazendeiro era o chorão, que só pedia crédito. Depois foi acusado de explorar o trabalho escravo, de prejudicar o meio ambiente.
A tese do professor Rodrigues é que essa imagem ruim do agricultor impede que haja um clamor popular por uma política pública coerente e estratégica para o setor. Por isso, ele propõe que seja criado um grande programa de comunicação, que mostre que quase tudo vem dos produtos agrícolas e da pecuária. Não só os alimentos, mas os tecidos, a seda da gravata e da langerie, a borracha dos pneus, o couro dos sapatos, da bolsas, dos cintos…
Esse foi só um resumo de alguns dos pontos discutidos na abertura da Cátedra Unesco Memorial da América Latina. Vem muito mais, toda segunda-feira pela manhã, com convidados especialistas. O objetivo é, como diz o professor Roberto Rodrigues, “criar uma massa crítica de pensamento e inteligência sobre a integração na América Latina, na perspectiva do agronegócio”.
Fotos: Fábio Pagan