Esta obra não irá, pelo menos por enquanto, embelezar as ruas de nenhuma cidade do mundo. Trata-se de uma serigrafia, com um número limitado de cópias, todas numeradas e assinadas pelo autor. Estas serigrafias de Kobra foram sorteadas, em maio, entre os participantes de uma campanha cujo formato simples pode servir de modelo para quem quiser ajudar os menos protegidos diante da epidemia da covid-19.
Ao apresentar o projeto, com a #aartedeajudar, Kobra diz que “nestes tempos de necessário isolamento social, é preciso ter fé. Independentemente de nossa localização geográfica, de nossa etnia e de nossa religião, estamos unidos em uma mesma oração: que Deus inspire os cientistas para que encontrem a solução para essa pandemia – e conforte nosso coração para que tenhamos forças e sigamos juntos como humanidade”. É um bom exemplo de solidariedade, pois de uma maneira criativa aborda dois dos segmentos mais frágeis e esquecidos da sociedade: os moradores de rua e os refugiados.
Quanto a estes últimos, o ACNUR adverte que nesta crise “migrantes e refugiados são desproporcionalmente vulneráveis à exclusão, estigma e discriminação, principalmente quando não documentados. Para evitar uma catástrofe, os governos devem fazer todo o possível para proteger os direitos e a saúde de todos.”
Diante deste chamado, entidades da sociedade civil se somaram aos esforços do Estado e puseram mãos à obra, como por exemplo a organização não governamental Eu Conheço Meus Direitos, ou IKMR (I Know My Rights).
Viviane Reis, uma das coordenadoras da entidade, explica que eles são a única organização humanitária brasileira dedicada especialmente às crianças refugiadas. E que, de forma indireta, atendem o núcleo familiar no qual elas estão vinculadas. “Os adultos refugiados foram atingidos diretamente, já na primeira semana da quarentena”, explica Viviane. “Isso porque a maioria vivia de bicos e empregos informais e perderam o trabalho e a renda; nós temos ajudado com alimentos, produtos de higiene e limpeza e medicamentos; além disso, colocamos um pediatra de plantão 24 horas para eles não precisarem ir ao pronto socorro sem que haja necessidade; ajudamos também no cadastramento para receberem o auxílio emergencial do governo, mas até agora a maioria está em análise e poucos receberam”.
Empreendedorismo e solidariedade
Para ajudar a população em situação de rua foi idealizado o projeto A Arte de Ajudar, parceria da IKMR com a Cia. Nissi. A ideia é diminuir o impacto da pandemia contratando microempreendedores refugiados para distribuir marmitas à população de rua. Qualquer pessoa podia contribuir com kits que, além de alimentação, continham produtos de higiene e limpeza. Quem doasse mil kits tinha garantida a serigrafia do Kobra. Os demais participariam do sorteio de uma cópia numerada e assinada pelo artista. Até o início de maio já foram arrecadados R$ 350 mil.
Um destes microempreendedores foi a venezuelana Ylmary de Perdomo, que chegou ao Brasil em março de 2016. Ylmary era terapeuta ocupacional. “Saí de lá devido à violência. Tinha a sensação de que podiam entrar na minha casa e sequestrar alguém da minha família a qualquer momento”, lembra-se. “No começo, tentei trabalhar aqui como terapeuta ocupacional, mas percebi que teria que me reinventar”. No dia das mães do mesmo ano, uma das filhas de Ylmary pediu que ela levasse algum presente para a professora. “Pensei em fazer um bolo de pote típico da minha terra”, conta. “Logo passei a vender bolos e café da manhã na rua e a entregar por encomenda”.
Foi quando ela participou de um projeto do ACNUR em São Paulo, chamado Empoderando Refugiadas, bem como da plataforma Migraflix, que promove o empreendedorismo intercultural por meio do projeto Raízes da Cozinha. A partir dessas experiências, Ylmary pensou que talvez pudesse unir uma antiga paixão – cozinhar – com a necessidade de prover a sobrevivência da sua família (ela veio com o marido, dois filhos e uma enteada). Foi assim que surgiu, em março de 2018, Tentaciones da Venezuela. A microempresa vinha muito bem, especialmente com participações em eventos gastronômicos. “Mas com a pandemia, parou tudo. Era como se tivéssemos voltado quatro anos, quando não sabíamos o que fazer”, conta.