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Então é Natal!
Conheça as tradições e festividades da celebração em alguns dos países da América Latina
Por: Gabriel Flores
O Natal é uma celebração amplamente festejada na América Latina, em que tradições cristãs se misturam com costumes locais, criando um panorama cultural rico e diverso. Cada país traz elementos únicos para a festa, com variações musicais, comidas, rituais religiosos e festividades, o que reflete suas diferentes identidades.
Historicamente, os países latino-americanos foram colonizados principalmente pelos espanhóis e pelos portugueses, que eram – e ainda são – muito ligados à religião católica. Por isso, as celebrações cristãs são parte fundamental das culturas dos países latino-americanos.
O sincretismo entre as tradições europeias e a cultura latina não é a primeira fusão que marca a história do feriado. A celebração que chamamos de Natal começou 7 mil anos antes do nascimento de Cristo, para comemorar o solstício de inverno, época que marca o fim das longas noites e o início dos dias ensolarados.
A homenagem ao yin-yang na China, o forrobodó em volta do Stonehenge na antiga Grã-Bretanha, o culto ao deus Mitra em Roma e a comemoração do Yule na Escandinávia também transformaram a data, a partir de trocas culturais entre povos e religiões. Na Idade Média, a Igreja Católica ressignificou a comemoração para o nascimento de Jesus, que trouxe a luz ao mundo, conforme a tradição católica.
O Natal se consolidou como uma tradição na América Latina, tanto por seu aspecto religioso, quanto por seu aspecto cultural e econômico. Para a Irmã Solange, professora de teologia na PUC-SP e religiosa franciscana, o significado original do Natal é o nascimento de Jesus. “Ele nasceu na cidade de Nazaré, na Judeia, lá na Palestina, há 2000 anos. O Natal é para lembrar quando o filho de Deus veio ao mundo. Isso é muito importante, porque mostra como Deus amou as pessoas, mandou o seu filho para viver como um homem, como um de nós”, diz.
Já sobre os símbolos natalinos católicos, a professora apontou o presépio como principal imagem. “Foi na Idade Média que São Francisco de Assis, querendo lembrar o Natal, inventou o presépio. Ele o fez como um teatro, convidando várias pessoas para serem os pastores, a mãe de Jesus, uma criança, as ovelhas e os bois. Criou aquela cena porque queria ver com os seus olhos o nascimento do Filho de Deus. E depois isso ficou na história. Até hoje, nós montamos um presépio, o nascimento de Jesus, que aconteceu numa gruta, no meio de animais. Isso é o Natal”, explica a Irmã.
Brasil: Festas Tropicais e a Influência Estrangeira
O Natal é marcado por um clima quente e tropical, o que influencia tanto as tradições quanto o cardápio. Uma delas é ceiar na véspera, na noite de 24 de dezembro, comendo o tradicional peru, a farofa, o arroz, as frutas tropicais e a rabanada. O brasileiro também celebra o nascimento de Jesus, de acordo com as tradições católicas, com missas (como a do Galo) e encenações teatrais, chamadas de Autos de Natal.
A influência norte-americana no Brasil é tão forte que incorporamos diversas tradições natalinas dessa região, principalmente no aspecto comercial da data. Dois exemplos são o Amigo Secreto, brincadeira em que amigos e familiares trocam presentes, e as decorações exuberantes de luzes e árvores, que enfeitam ruas e shoppings. Apesar do calor, alguns brasileiros mantêm a decoração tradicional com enfeites inspirados no inverno europeu, mais um exemplo da influência estrangeira na cultura brasileira.
“O Natal se tornou também uma festa comercial, uma oportunidade para vender e lucrar mais. O capitalismo neoliberal, que nós vivemos, inventou os presentes, o Papai Noel, os enfeites, e tantas outras coisas. O comércio explora muito essa festividade e isso tira um pouco aquele sentido religioso da celebração. Por outro lado, é bonito você dar e ganhar um presente.As crianças ficam esperando o Noel trazer alguma coisa. Também é a oportunidade de encontrar a família no almoço do dia 25, com pessoas que você não vê há muito tempo. É algo bonito. Mesmo com o desejo de comprar fomentado, o Natal ainda é caracterizado por ser essa festa da vida”, argumenta Irmã Solange, professora de teologia na PUC-SP e religiosa franciscana.
Argentina: A Nochebuena e o Día de Reyes
Na Argentina, a Nochebuena é comemorada em família, e a ceia ocorre na noite de 24 de dezembro, assim como no Brasil. O cardápio inclui pratos frios, como vitel toné (carne de vitela com molho de atum), empanadas e saladas, além de carnes assadas. À meia-noite, os argentinos celebram com fogos de artifício e brindes. Uma tradição curiosa é a decoração com ramos de algodão, que representa a neve, adaptando um elemento invernal europeu para o clima quente da Argentina.
Duas semanas depois, no dia 6 de janeiro, as festas continuam. O Día de Reyes, ou Dia dos Três Reis, é uma celebração que relembra a visita dos reis magos a Jesus Cristo logo após seu nascimento para levar presentes. Por isso, os argentinos compram a tradicional Rosca de Reyes, um pão doce em forma de guirlanda, que representa uma coroa: a casca simboliza o ouro; o miolo, a mirra; e o aroma, o incenso. Acompanhados de um chocolate quente, os argentinos cortam o grande pão doce circular para compartilhar entre as famílias.
Uma tradição que se assemelha muito com a do Papai Noel ocorre antes de dormir, no dia 5 de janeiro. As crianças colocam os sapatos na porta, esperando a visita dos Reyes. Elas também deixam um pouco de grama e de água para os camelos, que transportam os presentes. De manhã, os magos já terão vindo e colocado um pequeno presente em cada um dos sapatos, enquanto a grama e a água terão desaparecido.
Colômbia: A Novena de Aguinaldos e a Festa das Velitas
Na Colômbia, o início do Natal é logo cedo, com a celebração do Día de las Velitas, ou Dia das Pequenas Velas, em 7 de dezembro. Milhares de pequenas velas em lanternas caseiras são colocadas para iluminar um caminho para Maria, a mãe de Jesus, enquanto ela visita e abençoa as casas das pessoas. É importante ressaltar que, em cada local do país, o dia é celebrado de uma forma diferente. Por exemplo, em Bogotá, as velas são colocadas nas varandas e como decorações para parques e estradas. Já em Cali, os moradores passeiam pelo rio Cali, que sempre está cheio de luzes e decorações para a ocasião.
De 16 de dezembro até a véspera de Natal, ocorre a Novena de Aguinaldos, uma tradição católica que consiste na recitação de orações e canções, chamadas de villancicos, para celebrar a Virgem Maria, São José, os Reis Magos e Jesus Cristo. No mesmo período, são realizados os Juegos del Aguinaldos, que são brincadeiras divertidas que as pessoas de todas as idades gostam de participar durante a Novena. Alguns exemplos, são: três Pés (Tres Pies), em que os jogadores tentam colocar secretamente um pé entre os pés de seus oponentes sem que eles percebam, alha na Boca” (Pajita en Boca), em que é preciso manter uma palha na boca o dia todo, e Sim e Não (Al sí y al no), em que os participantes só podem responder as perguntas com as palavras “sim” e “não”.
A ceia colombiana é farta, com pratos como tamales, lechona (porco recheado com arroz e ervilhas) e buñuelos (massa frita), além de sobremesas como natilla (doce de leite e canela).
México: Las Posadas e o Ponche
As Posadas celebram a viagem de Maria e José, de Nazaré a Belém, em busca de um lugar seguro para dar à luz. A festa ocorre durante os nove dias anteriores ao Natal, de 16 a 24 de dezembro. São feitas procissões, que recriam a trajetória de Maria na busca por abrigo. Nas ruas mexicanas, as crianças se vestem de carneirinho, e os adultos ficam em oração, levando nas mãos as imagens de Maria e José. O ritual se encerra, todas as noites, com uma festa repleta de comidas típicas, que incluem delícias como buñuelos e as clássicas piñatas.
A ceia mexicana é repleta de pratos saborosos, como o bacalhau, que também é um prato tradicional da semana santa no Brasil, e os tamales, que têm até uma data especial para serem degustados (dia 2 de fevereiro, dia da Candelária). O ponche é a bebida mais consumida nessa temporada, comum nas posadas e na noite de natal. Por fim, há também os buñuelos, sobremesa feita com mel, piloncillo (rapadura) e canela.
Guiana Francesa: Um Natal Caribenho com Influências Europeias
Na Guiana Francesa, um departamento ultramarino da França localizado na América do Sul, o Natal é uma mistura das tradições francesas e caribenhas. Assim como nos países de colonização ibérica, a influência francesa se reflete nos pratos típicos, como o foie gras e o peru assado, mas com um toque local, com peixes, mariscos e frutas tropicais. Sobremesas como a bûche de Noël (um bolo em forma de tronco), são muito populares.
Na Guiana, uma tradição comum são as soirées chantées, noites de canções natalinas, que trazem um ar alegre e comunitário. Além disso, o réveillon é celebrado com danças tradicionais, como o bal paré, mantendo a festa até o amanhecer.
Apesar das diferenças climáticas e culturais, os países latino-americanos compartilham o espírito de união e fé durante o Natal. Enquanto o Brasil e a Argentina incorporam tradições do inverno europeu em um contexto tropical, a Colômbia e o México enfatizam a espiritualidade com novenas e procissões. Na Guiana Francesa, o Natal é celebrado com uma mistura entre o tradicional e o tropical, refletindo a fusão entre culturas, com a influência forte da França, diferentemente dos demais países, que foram colônias ibéricas.
Essas celebrações são um reflexo das influências históricas e culturais de cada país e mostram como a América Latina tem uma abordagem singular para a época natalina. Mais do que uma festa religiosa, o Natal é um período de união, solidariedade e alegria, em que cada país expressa suas tradições e costumes de forma única.