/governosp
O Seminário “Liberdade de Expressão/Direito à Informação nas sociedades contemporâneas da América Latina”, promovido pela Fundação Memorial da América Latina e organizado pela profª da ECA-USP, Cremilda Medina, terminou nesta quinta-feira, 25, com a participação de três renomados profissionais da imprensa brasileira.
Um, o jornalista e professor Eugênio Bucci, analisou recente pesquisa que avalia o grau de credibilidade da mídia brasileira. Outro, Alberto Dines, ofereceu como exemplo sua longeva carreira para mostrar como nas últimas décadas o conceito de liberdade de imprensa se deturpou na América Latina. E José Maria Mayrink fez a retrospectiva histórica dos períodos de censura a que O Estado de S. Paulo foi submetido em seus 135 anos de vida.
Mordaça
O jornalista do Estadão foi testemunha de várias passagens em que a empresa esteve sob censura desde 1968. Apoiado em vídeo-documentário com depoimentos de editores da época, Mayrink relatou episódios ainda hoje pouco divulgados. Na primeira pessoa – por que foi o primeiro a chegar ao local do crime – deu sua versão para a prisão/execução de Carlos Marighella.
Para uma platéia que talvez ainda não soubesse em detalhes, revelou como o jornal chegava às bancas mesmo com os censores da época nas redações e oficinas. Outro caso, ainda da época do AI-5: o diretor do jornal, Júlio de Mesquita Neto, fora chamado para depor na Polícia Federal.
– O senhor é o diretor do jornal? É o diretor-responsável?
– Sim, sou o diretor. Mas não o diretor-responsável. O diretor-responsável é o senhor Alfredo Buzaid (o ministro da Justiça da época).
Personagem que foi daquele período cinzento, hoje Mayrink é testemunha de outro episódio – o jornal está proibido de publicar reportagens sobre o empresário Fernando Sarney. A diferença neste caso, enfatiza, é que a decisão foi tomada por um desembargador. “E isso abre jurisprudência perigosa e de conseqüências nefastas para toda a Imprensa”.
Campo de Batalha
Em 58 anos de profissão, o jornalista Alberto Dines percorreu praticamente todos os capítulos da via sacra imposta pelos vários ritos da censura – da perseguição moral e física à prisão. Nesse período, que com fino humor denomina de Anatomia do Cala a Boca, Dines elencou os 10 castigos que recebeu em função de decisões que tomou como editor e do que escreveu como repórter. “Uma demissão a cada 5,8 anos de trabalho, quase duas cacetadas por década”.
Corroborando a opinião de Mayrink, o ex-editor do Jornal do Brasil e diretor do Observatório da Imprensa vai direto ao ponto: “o Judiciário está se tornando um dos mais ferrenhos algozes da liberdade de expressão”. E, o que diz ser uma triste constatação: o exercício de um jornalismo livre no início desta segunda década do século XXI tornou-se ainda mais difícil do que em meados do século XX. “O inimigo mudou de endereço, mudou de trajes e multiplicou-se”.
Nesse cenário a que chama de campo de batalha – onde se trava uma guerra escancarada pela conquista dos corações e mentes atordoadas pelo excesso de informações secundárias – Dines pinça o episódio do embargo em 2008 que, segundo ele, foi auto-imposto pela grande mídia para não dar destaque ás comemorações dos 200 anos de nascimento da imprensa brasileira. “Quem fabricou essa mordaça?”. Ele mesmo responde: “Uma rede que funciona nos desvãos da Associação Nacional dos Jornais, constituída pelos editores formados nos cursilhos da Opus-Dei e da Universidade de Navarra”.
Para Dines, a lembrança do início de circulação do Correio Braziliense implicaria falar do seu fundador, Hipólito da Costa, que era maçom e foi preso pela Inquisição portuguesa. “A Inquisição e a censura religiosa não queriam ser lembradas. Significa que não morreram? Significa que mudaram de nome e continuam tão poderosas quanto eram antes”.
Calejado, sem meias-palavras, o velho jornalista rascunha algumas constatações:
– Fazer jornalismo hoje no Brasil e na América Latina está se tornando mais difícil e mais complicado do que no passado recente.
– A palavra censura e o ato de censurar não estão em desuso na América Latina.
– Examinada de longe, esta parte do Novo Mundo em que vivemos parece um território liberado do autoritarismo e o gigante brasileiro aparece como a prova mais eloquente da normalização política.
– A censura tornou-se contagiante, mimetizada.
– O censor fardado foi substituído e multiplicado pelo censor civil, de batina, ou de fatiota de executivo.
– …A imprensa abdicou do papel de instituição mitológica. Deixou de ser o famoso Quarto Poder…
– O toque romântico de buscar a verdade e, quando necessário, seguir na contramão, foi definitivamente aposentado e está sendo substituído pelo “jornalismo de resultados”.
A América Latina está novamente sob tensão, diz. Toma como exemplo o caso da Venezuela, segundo ele, paradigmático e dramático, revelador do grau de ressentimento entre as partes. “Estamos repetindo com formato e atores diferentes o que aconteceu em 1989, depois da queda do Muro de Berlim. “Só nos resta pedir que esta guerra seja breve e deixe alguns sobreviventes para no futuro descrevê-la cientificamente”.
Prova dos nove
Jornalista e ao mesmo tempo exercendo função acadêmica – como a coordenadora do seminário, professora Cremilda Medina – Eugênio Bucci vivenciou os dois lados do balcão da informação, já que, neste governo, dirigiu a Radiobrás.Na mesma linha opinativa dos palestrantes que o antecederam, Bucci criticou a interferência de outras instâncias de poder em decisões que afetem as liberdades democráticas.
Para Bucci, o caso do Estadão é emblemático. Segundo ele, “será a prova dos nove” da democracia brasileira. “Dependendo de como esse episódio vai terminar, saberemos se o Judiciário entende e garante a liberdade de Imprensa”.
Saiba como foi o primeiro dia do seminário
Texto: Daniel Pereira
Fotos: FábioPagan