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Um dos pontos altos dos debates do 3º Festival de Cinema Latino-americano de São Paulo foi a mesa que discutiu a obra do cineasta cubano Tomás Gutiérrez Alea (1928-1996), que ganhou uma retrospectiva nesta edição do festival. Gutiérrez Alea é responsável por sucessos como "Guantanamera" (1995) e "Morango e Chocolate" (1994), ao lado de clássicos da sétima arte como "Memórias do Subdesenvolvimento" (1968), "Morte de um Burocrata" (1966) e "Última Ceia" (1976).
A mesa contou com a presença ilustre de seu conterrâneo Edmundo Desnoes, 78 anos. Desnoes é autor do livro no qual foi baseado seu filme mais famoso, "Memórias do Subdesenvolvimento" (1968), que completa 40 anos neste ano. Um pouco anterior ao filme, o livro de Desnoes foi escrito em 1965 e só em 2008 ganhou sua primeira tradução para o português, realizada por Elen Döppenschmitt e publicada pelo Departamento e Publicações do Memorial da América Latina.
O livro foi lançado na noite do dia 11 de julho, após o debate, com a presença do autor e da tradutora. Antes disso, foi realizado o debate, que contou com Elen Döppenschmitt, que está estudando a obra de Alea em seu doutorado na PUC-SP, e o professor de Literatura da FFLCHUSP, Marcos Soares.
Elen contou como, ao estudar o filme de Alea para o seu doutorado, chegou ao autor do livro que deu origem ao filme. “Eu procurei o livro em vários lugares e não havia. Descobri que não havia tradução para o português. Mesmo edições em espanhol estavam esgotadas. Até que ele foi reeditado por uma pequena editora espanhola. Consegui comprar o livro e o editor me colocou em contato, por e-mail, com o Desnoes. A partir daí, resolvi traduzir o livro”, contou.
Ela chamou a atenção para o que ela considera o caráter pedagógico do cinema de Alea, que, segundo ela, queria um cinema para educar as massas. “Ele se insere num movimento cinematográfico de natureza política. Vendo a realidade do filme, o público passaria a questionar sua própria realidade e poderia transformar-se num agente de transformação desta realidade”, disse.
O filme “Memórias do Subdesenvolvimento” mistura cenas documentais com fictícias e é um importante registro produzido sobre a revolução socialista de 1959. Conta a história de Sérgio, um burguês que decide ficar em Cuba após a revolução, enquanto toda sua família deixa o país. A trama se constitui na confrontação entre uma realidade efervescente que instala novos valores e Sergio que não crê neles e duvida dos valores do passado.
Edmundo Desnoes foi roteirista do filme, junto com Alea, e a partir das idéias do cinesta para algumas seqüências, escreveu cenas que passariam a fazer parte do livro, em edições posteriores. Além de colaboradores neste projeto, que é um filme reconhecido internacionalmente e atual 40 anos depois, Desnoaes e Alea foram amigos. “Nós éramos da mesma geração, nos reuníamos para ver filmes na cinemateca e, mais tarde, fazíamos parte do mesmo grupo de intelectuais cubanos”, contou.
Desnoes disse que, ao escrever o livro, optou conscientemente pela ambigüidade. Por isso quem lê o livro fica na dúvida se Sergio é a favor ou contra a revolução. Questionado se o livro tem caráter autobiográfico, Desnoes falou que Sergio tem um pouco dele mesmo, que apoiava alguns pontos da revolução e outros não. Por isso partiu para o exílio nos Estados Unidos em 1980. Seu amigo Alea, chamado por ele de Titón, permaneceu na ilha, onde morreu em 1996.
O escritor escreveu no ano passado uma continuação do seu livro mais famoso. A nova obra chama-se “Memórias do Desenvolvimento” e encontra seu portagonista Sergio anos depois, com outros questionamentos. Assim como ele, Sergio também terminou indo para o exílio. Esta obra está sendo adaptada para o cinema por dois cineastas, um cubano e um norte-americano. E Desnoes também colabora com o roteiro do segundo projeto.
Foto Fábio Pagan