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São Paulo, 15 de julho de 2011.
A exposição “No ateliê de Portinari” abre hoje no MAM, sob a curadoria da historiadora Annateresa Fabris. Segundo João Candido Portinari, ela é “a intelectual que mais entende da obra do meu pai”. O filho de Candido Portinari esteve no Memorial da América Latina, nessa quinta, 14 de julho, com a seguinte proposta: se tudo der certo, os painéis “Guerra” e “Paz”, de Candido Portinari, “novinhos em folha”, podem vir ao Memorial no final deste ano. Isso porque São Paulo foi a cidade escolhida para ver a obra completamente restaurada pela primeira vez. É claro que o Memorial gostou da ideia e desde já apoia o projeto. Os painéis acabaram de ser restaurados no Rio de Janeiro, em ateliê aberto ao público, montado no Palácio Gustavo Capanema, por iniciativa do Projeto Portinari. Antes disso, eles tinham ficado expostos no palco do Teatro Municipal carioca, entre 22 e 30 de dezembro do ano passado. Mais de 40 mil pessoas foram visitá-lo!
“Os painéis gigantesco ficavam inacessíveis ao público, em NY, como 95% da obra de Candido Portinari permanece trancada em coleções particulares.”
“Guerra” e “Paz” são obras da década de 50 feitas especialmente para a sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York. Entre 1952 e 1956, Candido Portinari – um dos grandes artistas brasileiros do século passado – trabalhou sofregamente para atender o pedido do governo brasileiro. Apesar da recomendação médica que evitasse o uso de tinta a óleo, já que apresentava sintomas de intoxicação pelo chumbo presente no composto, Portinari encarou a encomenda como missão e criou um dos mais belos e impactantes testemunhos da loucura humana. Portinari retratou a guerra não por meio de soldados ou equipamento bélico, mas por meio das suas vítimas. especialmente aquela que sofre a dor maior: a mãe que perdeu o filho”, conta João Portinari.
Portinari era um idealista. Como boa parte da intelectualidade e de artistas da sua geração, ele era comunista filiado ao PCB, por quem concorreu a deputado constituinte em 1945 e a senador em 1947. Sua insistência em presentear o mundo com a sua arte pungente, como que clamando por um tempo utópico em que não houvesse a exploração do homem pelo homem, custou-lhe caro. Portinari praticamente se auto-emulou por sua utopia, tornando-se, mais que um artista, um herói trágico de toda a humanidade. “Guerra” e “Paz” foi o último grande painel pintado por ele. Depois disso, adoeceu pouco a pouco até morrer em 1962, vítima das tintas que para ele eram uma arma.
Os quadros foram finalmente instalados em Nova York, em 1957, no hall de entrada da Assembleia Geral da ONU. Por ser comunista, Portinari não obteve autorização do governo americano para ir à inauguração da sua obra. O grande público não tem acesso ao local, apenas os políticos de todos os países do mundo. Quando João Portinari soube que as instalações da ONU passariam por reforma entre 2010 e 2013, tanto fez que conseguiu a guarda da obra de seu pai por esse período. Era a oportunidade dos painéis “Guerra” e “Paz” percorrerem o mundo e finalmente serem conhecidos pelo povo. Em contrapartida, eles deveriam voltar devidamente restaurados, como previa o contrato entre a ONU e governo brasileiro dos anos 50. Para essa empreitada, João Candido obteve o apoio do governo brasileiro, por meio do BNDES, e de outras entidades públicas e privadas.
A mostra no Memorial deverá incluir cerca de cem esboços originais de “Guerra” e “Paz”, que nunca foram expostos conjuntamente e audiovisuais contando a aventura de remover obras de arte gigantescas (14m X 10m), transportá-las para o Brasil e restaurá-las, bem como documentários sobre a vida e a obra do pintor. João Candido Portinari está neste momento justamente visitando outras instituições culturais paulistas para decidir qual melhor se adapta às dimensões de “Guerra” e “Paz”. “Mas acredito que o lugar mais adequado seja mesmo o Salão de Atos do Memorial, com seu pé direito de 30 metros”, adiantou, “uma vez que lá já tem o painel Tiradentes, pintado por meu pai um pouco antes, em 1949, com quem “Guerra” e “Paz” dialogaria muito bem”. Ele diz ter certeza que Candido Portinari também não escolheria outro espaço em São Paulo
Por enquanto, o Projeto Portinari está em fase de captação de recursos. Acompanhado de Maria Duarte, responsável pela direção executiva do Projeto Guerra e Paz, João Portinari foi recebido pelo presidente do Memorial, Fernando Leça, pelo diretor de atividades culturais, Fernando Calvozo, e pelo gerente de relações com o mercado, Pedro Arsenian. O encontro foi um verdadeiro brainstorm, durante o qual relampejavam ideias para o bom aproveitamento de todas as potencialidades oferecidas pelo Memorial nos seus vários espaços.
Na inauguração da mostra do ano passado, no Rio de Janeiro, foram programados show de Milton Nascimento e um espetáculo de dança especialmente coreografado pelo americano David Pearsons. A cenografia e as projeções foram feitas por Marcello Dantas. Em São Paulo, o Projeto Portinari pretende convocar um novo time: Daniela Thomas e Felipe Tassara para a cenografia e a empresa Preto & Branco para os conteúdos multimídias. Entre as ideias surgidas no encontro dessa quinta-feira, ao pé do painel Tiradentes, estavam usar o Salão de Atos para os painéis e a Galeria Marta Traba para os estudos e esboços. A Praça Cívica seria reservada para o evento de inauguração. O Programa Educativo Guerra e Paz deveria integrar o grupo de guias e monitores do Memorial.
Segundo João Candido Portinari, depois de São Paulo “Guerra” e “Paz” devem percorrer o mundo. Com o esperado apoio do Itamaraty, os painéis de Candido Portinari vão levar sua mensagem dramática e de esperança para os países do Bric – Rússia, China, Índia e África do Sul. Em agosto de 2013, eles voltam para o hall da sede da ONU. Lá, a esperança é que sua missão seja completada, afinal, Portinari não retrata apenas a guerra, mas também um tempo de paz, no qual as crianças possam brincar e os adultos de todas as etnias possam trabalhar e viver – em paz.
Texto e fotos Eduardo Rascov