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São Paulo, 17 de maio de 2010.
O nome escolhido para o show que Tom Zé abriu na sexta, dia 14, no Memorial da América Latina, não poderia ter sido mais fiel e autêntico: Paraitinga de Corpo e Alma. O artista irreverente abrindo alas para o sincretismo manifesto do repertório musical dos convidados e ajudando a cauterizar feridas ainda recentes que a natureza trouxe no último reveillon.
Recado dado, Tom Zé – ou seria o nosso Charles Chaplin tupiniquim? – saiu de cena para que os violeiros e cantadores do último reduto dos caipiras paulistas pudessem mostrar o que a força das águas não conseguiu destruir: a tradição da diversidade cultural e artística de São Luiz do Paraitinga. Ela continua de pé. E muito viva.
Então, que subam ao palco “seu” Renô Martins – puxador da dança de São Gonçalo -, os Estrambelhados, Barone e a Loucomotiva Cabereca com as marchinhas carnavalescas. Os diferentes estilos da música regional vão se revezando no palco do Auditório Simon Bolívar: Los Canteros, com a dança do sabão e do caranguejo, o Grupo de Violeiros do Rio Abaixo, as duplas Loro e Lucas, Jonca e Juca.
Os artistas de SLP já eram uma família. Agora, formam verdadeira confraria. A sinergia é natural. Por isso, é comum ver o violeiro – ou vários – de um grupo tocando em outro. E assim, todos vão interagindo: Nelsinho do Mato Dentro, Silvio Oryn (luthier de mão-cheia), Eduardo Cabeça, Eco do Sertão, Moreno Overá, Leandro Barbosa, Chico Viola e o violinista revelação de 16 anos, Wellington Ismail.
Esse povo todo foi levado ao Memorial da América Latina pelo restaurador César Roberto Olandim, que há oito anos trocou a poluição da capital e se transferiu de ateliê e cuia para São Luiz do Paraitinga. Pouco antes de começar o show, Olandim puxa “seu” Renô pelo braço e o apresenta como o “decano” da comitiva luiziense.
O Vale não poderia estar melhor representado. Especialista na dança de São Gonçalo, “seu” Renô também é conhecido como exímio cantador de brão –gênero a caminho da extinção. “Não, não é barão”, já se apressa em explicar o “seu” Renô, acostumado com a falta de conhecimento da maioria a respeito do tema. O brão (a etimologia é desconhecida) é uma espécie de cantoria coletiva que acompanha os mutirões de colheita ou de construção. O anfitrião do mutirão estabelece a linha (o mote) da cantoria e os participantes o acompanham. Nostálgico, “seu” Renô admite: a modernidade acabou com o brão. Ele mesmo cantou pela última vez há dois anos, em uma entrevista para TV Globo.
Se depender do entusiasmo da produtora voluntária do grupo, Adelina Prado, talvez “seu” Reno ainda volte a gritar o brão bem alto. Ela quer “vender” os shows dos seus amigos artistas para outras cidades do interior de São Paulo. Com isso dá uma dupla tacada: ajuda a recuperar a auto-estima do pessoal, promovendo a cidade e, por tabela, as manifestações culturais do Vale do Paraíba. Os interessados podem fazer contato com ela pelo email: adelina_prado@hotmail.com. Os guardiões do patrimônio histórico-cultural-artístico da região agradecem.
Texto: Daniel Pereira
Fotos: Mônica Saraiva