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São Paulo – 10/04/10 – “A Constituição, nos seus artigos 5º e 220, garante a liberdade de Imprensa. Democracia e Imprensa têm uma relação de carne e unha. São como irmãs siamesas”. Incisivo. Sem meias-palavras. Foi nesse tom que o ministro do STF, Carlos Ayres Britto, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conduziu a conferência de encerramento do Seminário “Liberdade de Imprensa e Democracia na América Latina”, realizado pela Fundação Memorial da América Latina.
– A Imprensa é uma questão de humanismo. Ela favorece tanto o indivíduo quanto a coletividade, enfatizou Ayres Britto ao criticar a censura prévia para, em seguida, defender a autoregulação dos meios de comunicação. Nesse ponto, lembrou a derrubada da Lei de Imprensa, em abrir do ano passado que, segundo ele, foi o divisor de águas na história da Imprensa brasileira.
“Mas – emendou – parece que os próprios jornalistas não ficaram satisfeitos com essa “leveza” de liberdade de Imprensa proclamada pelo STF. Se lerem a ementa do acórdão, vão encontrar uma verdadeira carta de alforria. Aqui está dito que não pode haver censura prévia, nem do Judiciário”.
Dividiam a mesa com o ministro dois debatedores do tema Mídia e Democracia, um deles o jurista Dalmo de Abreu Dallari. Ele admitiu que alguma coisa mudou mesmo após a decisão do STF. Mas, alertou: “Ainda não é hora de se dizer que está tudo resolvido”. Para Dallari, é preciso que o conceito de liberdade de imprensa não fique restrito ao universo dos meios de comunicação, mas que possa ser expandido para a população. “A minha liberdade convive com a liberdade do outro. A imprensa tem liberdade e eu tenho a liberdade de receber todas as informações”.
Para simplificar o que acabara de enunciar, o jurista resgatou um caso pessoal da época em que era presidente da Comissão de Justiça e Paz e foi ao Rio de Janeiro participar de um encontro da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Lá, relatou casos de prisões e torturas praticados pelo regime. “Quando sai um repórter do jornal O Globo me perguntou o que eu achava do governo Médici (o presidente da época). Ironicamente, disse que o Médici prestava um grande serviço à democracia porque seus atos estavam despertando muitos brasileiros”.
No dia seguinte o jornal publicou em manchete: “Presidente da Comissão de Justiça e Paz afirma que Médici presta grande serviço á democracia”. O episódio, segundo Dallari, é um exemplo de como o leitor não foi contemplado com o direito de receber a informação completa. “Será que isso não continua acontecendo ainda?”, cutucou.
Ao lado do ministro, o jornalista Alberto Dines criticou o fim da exigência do diploma de jornalista para exercer a profissão e também atribuiu aos veículos de comunicação o exercício da autocensura. Mencionou, como exemplo, o silêncio da Imprensa quando se comemorou os 200 anos da primeira publicação brasileira, o Correio Brasiliense. Segundo ele, a orientação ao veto teria partido da Opus Dei. “E posso provar”. O jornalista, diretor do portal Observatório da Imprensa, é conhecido por sua luta contra a ditadura e combatente ferrenho da censura à Imprensa. O que o levou a questionar: será que a liberdade de informar está sendo usada para o bem comum da sociedade? “Essa é uma questão que deve ser presente nos debates sobre liberdade de imprensa e democracia”, concluiu Dines.
Livro – O conteúdo dos três dias de debates do Seminário Liberdade de Imprensa e Democracia na América Latina será transformado em livro, informou o presidente da Fundação Memorial da América Latina, Fernando Leça. No encerramento, o moderador dos debates, Eugênio Bucci, fez questão de tornar público o seu agradecimento à iniciativa do evento, coordenado por ele com o também jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva.
O seminário discutiu formas de financiamento para os meios de comunicação – tópico para o qual a jornalista norte-americana Liza Shepard trouxe subsídios de sua vivência como ombudsman da Rádio Pública Nacional dos Estados Unidos. O formato brasileiro de concessão para Rádio e TV foi outro tema do primeiro dia. No segundo dia, os professores Joaquim Falcão (FVG/RJ) e José Roberto Whitaker Penteado (ESPM) debateram as formas de censura no caso da Internet e quais os caminhos para evitá-las.
Texto: Daniel Pereira
Fotos: Isabel Câmara